publicados na edição em papel de 28/10/2022
Não é normal jogadores como Enzo, Grimaldo ou João Mário entrarem de início frente ao Caldas – até pela necessidade de repouso em face do exigente calendário – mas, por outro lado, também não é “positivamente” normal o Benfica estar a disputar a liderança do grupo da Liga dos Campeões com o PSG, isto após ter eliminado a Juventus de forma clara. São duas faces de uma mesma equipa que, feitas as devidas contas, está em alta neste início de temporada. E com todo o mérito.
São dois cenários que impõem uma reflexão. E um hiato. Muito embora o jogo do Dragão – características emocionais especiais – tenha motivado três substituições ao intervalo, não é muito normal ao Benfica fazer alterações no seu padrão normal de onze a catorze jogadores, isto com a ressalva da recente troca de Aursnes com Neres para os jogos de maior dimensão. No Dragão, tal motivou a definição de um quadrado de proteção de meio-campo com o intuito de bloquear alguns pontos fortes dos dragões que, no entanto, aproveitaram através do jogo de corredores. De facto, e até ao momento da expulsão de Eustáquio, pode bem dizer-se que o FC Porto foi a equipa que mais dificuldades causou ao Benfica nesta temporada, quer pelo conhecimento minucioso do adversário quer pela pressão junto de um dos pontos fracos mais salientes dos encarnados: o rendimento do lateral direito.
Por muito que Bah acrescente velocidade e profundidade pelo flanco direito, certo é que o seu rendimento defensivo ainda deixar a desejar, recorrendo muito à falta ou deixando algum espaço descoberto. Com Gilberto em campo as características são distintas mas, ainda assim, o problema mantém-se. Seja como for, bem ou mal, ainda é uma posição que motiva alguma rotatividade sem representar um problema bicudo. Situação que não acontece no miolo. O que fará o Benfica sem Enzo, Florentino ou João Mário? Ou sem Rafa ou Grimaldo? Porque a questão surge e impõe-se: o tremendo rendimento do Benfica deste início de temporada não foi acompanhado por um pleno desenvolvimento das suas segundas linhas, o que poderá fazer antever algumas dificuldades quando os fatores lesões e cartões derem de si. Ou o próprio desgaste dos elementos mais críticos. Não há milagres.
É claro que Schmidt joga com o calendário. Sabe que o mundial está aí à porta e, por conseguinte, um período de pousio para os clubes. Tempo esse que vai contemplar um duplo benefício: por um lado a potenciação do treino e a adequação dos jogadores menos utilizados ao modelo de Schmidt; depois, o repouso competitivo (previsível pelo menos) das primeiras linhas, o que faz com que o período pós-mundial seja caracterizada por uma nova vaga composta pelas mesmas primeiras linhas em contexto de frescura. E vaga a vaga enche a águia o papo.
Num plantel marcado por inúmeras soluções de qualidade para a posição de defesa central, não deixa de ser irónico que o prémio “revelação” vá para um jovem de 18 anos que mostrou qualidades indiscutíveis e foi ultrapassando os obstáculos (leia-se erros frente a PSG e Caldas) com a maturidade e a confiança de quem sabe que tudo deve ser ultrapassado com naturalidade e confiança. Muito forte no jogo aéreo – excelente para compensar um Otamendi não tão bom nesse aspeto em específico – destaca-se sobretudo pela qualidade que empresta ao jogo ofensivo da equipa: progressão no tempo certo, passe longo acertado e boas respostas sob pressão que potenciam a equipa para zonas mais adiantadas. E é para ficar. Não foi à toa que Schmidt já o puxou para o lado direito da defesa, até para alimentar devidamente um Grimaldo que é muito hábil na exploração do espaço e na resposta ao passe longo (veja-se o que fez no Dragão, ainda para mais quanto tem Aursnes a proteger o seu flanco).
Se António Silva deveria ir ao mundial? Sim, deve. Por duas razões: primeiro porque tem apresentado rendimento considerável, sobretudo em contextos de pressão assinalável que não está a ser atravessado por muitos centrais; depois, para se fazer algo que se fez com Rúben Dias, que chegou ao mundial da Rússia 2018 sem internacionalizações, sendo que a sua convocação na altura despoletou hábitos e contextos que depois desaguaram na titularidade regular. Porque a seleção só se constrói se a pensarmos a longo-prazo e com a perspetiva de crescimento através dos escalões de formação. E a posição de defesa central representa o problema mais sério da seleção. Porque há vida para além do Catar.