Ele chega com o olhar, no entanto é o aroma que primeiro nos toca.
Com ou sem açúcar, agitamos, mexemos e o tempo parece parar.
Na presença dele, os ponteiros não andam.
As papilas gustativas cumprem a sua função, mas é na mente que tudo se passa. É lá que ele nos interpela.
O café!
Esse concentrado de energia que usamos para parar a vertigem do tempo.
Pode ser o milagre da manhã que nos desperta para o dia, a solução para as noites de estudo intermináveis, pode ser muitas coisas, contudo o café é o tempo.
Com ele, temos tempo.
Na montanha russa das nossas vidas não conseguimos apreciar os pequenos detalhes. Vivemos a vida em 4k, onde tudo tem a definição máxima, porém a velocidade não nos permite sentir. É um vídeo transformado num mísero Reel.
O café, pelo contrário, é uma fotografia. É um momento em que conseguimos ver, observar, sentir.
É com o café que conseguimos fugir desta contemporaneidade líquida, muito pouco estruturada e excessivamente plástica. De um lado a pausa, do outro o acelerador. O café que nos inquieta, nos interroga e o acelerador dos dias que nos torna elementos de uma peça de teatro onde, muitas vezes, nem atores conseguimos ser, por nos tirarem o direito ao palco, ainda que para dizer apenas textos que outros escreveram.
É este o desafio que aqui trago. Juntar palavras ao café.
Sugiro, cara leitora, caro leitor que peça um café e se sente.
Sinta o mundo à sua volta. Veja como todos correm e como o seu café o transporta para um universo só seu, como se estivesse a observar os peixinhos no aquário.
Agora junte palavras, ideias, umas mais pensadas, outras nem por isso, mas faça-o.
Procure perceber que essa é a única arma que temos contra o populismo, contra os pensamentos fáceis, contra as opiniões instantâneas. É o recurso que temos para não sermos engolidos pelo populismo simplista dos rodapés das televisões, dos likes e dos comentários.
A compreensão de boa parte dos fenómenos exige leituras, exige reflexão e até algum esforço. E, pois claro, para tudo isso precisamos de tempo.
A invasão da Ucrânia pela Rússia ocupou o espaço mediático que, há bem pouco tempo, era do COVID. Tornou-se uma espécie de série que todos os dias nos ia chegando, cada vez com menos tempo de antena. Não sei, se em algum momento chegamos a perceber exatamente o que estava em causa naquele conflito.
Um português para quem o conceito de país e nação são semelhantes, que pensa que a generalidade dos “vizinhos” partilham a mesma língua e a mesma confissão religiosa, não é fácil entender o que se passa na Ucrânia. A surpresa de perceber que o celeiro de África era ali, a dificuldade em reconhecer que desde sempre aquele foi um território disputado e até ficar espantado ao perceber que a “Rússia” tinha começado em Kiev.
Esta complexidade não se torna simples num tweet, num post ou num rodapé.
É exatamente isso que torna valioso o café.
Com ele temos tempo.
Tempo para olhar para a Palestina e para Israel e compreender que aquilo não se divide em bons e maus.
O ponto prévio é o da vida humana e do seu valor, que não é quantificável, nem questionável. Matar não é tolerável, seja por terroristas, seja por militares ou por estados. A morte nunca é uma solução.
O território que hoje enche o espaço noticioso é alvo de disputa desde os primórdios dos tempos. Não querendo entrar na discussão se os palestinianos, enquanto povo, chegaram ali antes dos primeiros israelitas, ou se na passagem administrativa dos ingleses para o “novo” país, teria de haver uma outra opção. Tal como também não penso ser este o tempo de discutir se o comportamento do estado de Israel é o mais ou menos adequado como resposta a atitudes, também elas questionáveis, do lado das lideranças da Palestina.
Não significa isto, que vamos relativizar tudo e estar sempre em cima do muro, com medo de optar pelo que consideramos mais justo. Nada disso. Antes pelo contrário.
A pausa no tempo convoca-nos a pensar no povo, nas pessoas. Os cidadãos que vivem naquelas terras e que querem o mesmo que qualquer um de nós. Viver a sua vida em paz, ser feliz, criar os seus filhos – as coisas simples da vida.
Questiono, na ignorância de quem percebe pouco (ou nada) destas questões diplomáticas, para que servem as Nações Unidas?
Qual será a angústia que vive António Guterres perante a incapacidade de fazer algo?
O que deveria fazer a Europa, já que os Estados Unidos e a Rússia estão reféns das suas posições parciais?
E a China, como poderia intervir num conflito desta natureza?
Confesso que quanto mais leio, menos entendo. Quanto mais sabemos, maior é a consciência da infinitude da nossa ignorância.
Resta-nos o café.
O café e o tempo que ele nos dá.
E, claro, a esperança sem fim no Homem!