O bairro de Cabo Mor, em Mafamude, tem sido notícia pelos sucessivos despejos de famílias que ali ocupavam ilegalmente habitações. O Gaia Semanário falou com o coletivo Habitação Hoje e com o IHRU para compreender melhor os processos de desocupação e as soluções encontradas para estas pessoas.
As ocupações de 11 habitações sociais devolutas no bairro de Cabo-Mor remontam a junho do ano passado. Por terem sido sujeitas a despejo ou por terem, entretanto, encontrado outras soluções, as famílias que ocupavam estas casas abandonaram o bairro, restando agora apenas uma: um casal com três filhos.
O movimento Habitação Hoje, cujo objetivo é esclarecer e apoiar os cidadãos na reivindicação por uma habitação digna, tem vindo a acompanhar todo o processo no bairro Cabo-Mor. Bernardo Alves, membro do coletivo, explica que existem diferenças entre despejos de uma casa privada ou pública, mas que ambos devem ser notificados e que o processo de despejo tem de seguir determinados critérios: “A lei diz especificamente que uma família só pode ser despejada de uma habitação pública mediante a atribuição de uma solução habitacional digna.”
O IHRU, no entanto, recusa falar em despejos, dizendo que estes processos são antes “desocupações determinadas no âmbito de procedimentos cautelares promovidos pelo IHRU em resposta a atos de arrombamento, seguido de ocupação ilegal, de habitações da sua propriedade”.
“Ninguém quis saber das casas durante muito tempo”
Segundo Bernardo, a posição tanto do Ministério das Infraestruturas e da Habitação como do Presidente da Câmara de Gaia é a de que “não se podem promover aproveitamentos, pois existem listas de pessoas que aguardam casa e quem ocupa está a retirar a vez a outras famílias”. O representante do movimento para a habitação afirma que algumas das casas ocupadas no bairro de Cabo Mor estavam vazias já há décadas, em estado de grande degradação, sem que fosse feita a devida reabilitação.
O despejo sem aviso prévio fundamenta-se no pressuposto de que a entrada e a apropriação da casa foram feitas usando de violência, o que faz com que a desocupação possa ser efetuada de forma imediata, sem necessidade de notificação do tribunal. O Habitação Hoje contraria este argumento: “Muitas vezes nem existe arrombamento porque já nem portas existem, as famílias entram e fazem as obras necessárias, a nível de pavimentos, da canalização, tudo. Há a ideia de que eles “roubaram” as casas, mas efetivamente ninguém quis saber daquilo durante muito tempo.”
O IHRU explica que as habitações seriam – e em alguns casos já foram – alvo de reabilitação, aquando da ocupação ilegal, “para serem disponibilizadas a famílias que aguardam, em lista de espera, pela atribuição de uma habitação pública cujo processo opera através de um concurso por sorteio”. Não conseguem, no entanto, dar números concretos, já que os processos de ocupação e desocupação são instáveis e estão em constante mudança – não foi possível apurar quantas pessoas se encontram nesta situação instável, nem qual o tempo médio de espera para atribuição de uma habitação social. Quando questionados sobre as afirmações de existirem casas do IHRU vazias há vários anos e qual o motivo de as casas permanecerem desocupadas tanto tempo, também não houve resposta.
O IHRU diz ainda que os ocupantes ilegais podem usufruir de apoio e acompanhamento, requerido pela Segurança Social, e que estes continuam a poder aceder a habitação pública cumprindo os parâmetros legais definidos. Mais uma vez, Bernardo Alves diz-nos que há uma tendência em falar “como se estas pessoas não estivessem nas listas de espera; muitas destas famílias estavam inscritas para habitação social há anos.”
Segurança Social não dá respostas
As respostas são manifestamente insuficientes, com a Segurança Social a garantir apenas “alguns dias numa pensão, deixando depois a família à sua sorte no que toca a arranjar uma solução.” A falta de respostas faz com que muitas famílias tenham de ser separadas ou viver em casas já completamente sobrelotadas, sem condições de habitabilidade.
Famílias recebem ameaças
O movimento Habitação Hoje diz ter recebido denúncias de pressão por parte das entidades que gerem o processo de desalojamento: ameaças às famílias de que, se não abandonarem as casas, lhes vão ser retirados os filhos ou o rendimento social de inserção, ou ainda ameaças de que as famílias ocupantes passam a figurar numa “lista negra”, que dificulta o seu acesso a uma habitação.
Uma família resiste
Sobre a única das 11 famílias que ainda permanece a ocupar casa, Bernardo conta que “foram despejados uma vez, foi-lhes garantida uma pensão durante quatro dias. Cinco pessoas no mesmo quarto, sem cozinha, apanharam pulgas lá. Não há qualquer tipo de preocupação com as condições em que são realojadas as pessoas, particularmente crianças. Tiveram de voltar a ocupar a mesma casa, onde permanecem até agora.