A seleção fez o que lhe competia e venceu os dois primeiros jogos de qualificação frente a adversários que são manifestamente inferiores. E cumpriu a sua obrigação. Seja como for, os abastados resultados traduzem uma nova dinâmica ofensiva que, não sendo propriamente revolucionária, demonstram a ambição de Martinez em puxar a equipa mais para a frente.
Tudo começou frente ao Liechtenstein. De um só previsível só sentido: o bloco baixo do adversário motivava constantes variações de flanco para que fosse desmontado de forma rápida, fazendo com que o golo inaugural surgisse cedo e, com isso, tudo se tornasse mais natural. Ora, se a ordem de largura era clara, Portugal exagerou na prescrição do medicamento: o excesso de cruzamentos tornou o jogo muito “ensaboado” numa tónica de conquista de linha e serviço para a zona central. A questão é que Portugal é superior ao Liechtenstein em todos os capítulos do jogo e, mesmo usando quase sempre a mesma receita (Cancelo em evidência), o barco chegou a bom porto e a uma constatação fria e cruel: bem ou mal, importava era Martinez chegar e vencer. Porque o adversário, por muito que fosse fácil, era o mais trapaceiro que podia haver: na excentricidade de Portugal não ter vencido o Liechtenstein, cairia o “Carmo e a Trindade” e levaria consigo todo um capital de confiança que adveio da mudança de selecionador e da tal, pelo menos para alguns (Ronaldo e não só), lufada de ar fresco e pensamento novo que é sempre bem-vinda.
Seguiu-se o Luxemburgo e uma excelente notícia: os dias de trabalho foram proveitosos e notou-se um claro salto em frente em relação ao jogo anterior. Sobretudo pelo uso inteligente da largura e, também, pela confiança demonstrada em todas as ações do jogo. Porque quando Bernardo Silva marca de cabeça após passe longo de João Palhinha, trata-se de uma ação contranatura de ambos que reflete confiança na sua execução. Com a ressalva de que este desenho já tinha sido executado no tempo de Fernando Santos, sendo que o jogo frente a Marrocos é um exemplo disso mesmo. Neste contexto, advém um positivo pensamento dúbio: ora, se a seleção portuguesa é dotada de talento e imprevisibilidade e dada ao jogo pelo chão, a colocação em campo de jogo aéreo, exploração do espaço à retaguarda e largura torna tudo mais imprevisível e difícil de contrariar por parte do adversário. E com os laterais a serem autênticos avançados, aparecendo na área em situação de finalização ou de rápida assistência ao avançado mais letal que Portugal dispõe – Cristiano Ronaldo. Quase como um balão que vai ficando sem oxigénio, mas ainda assim o oxigénio é do melhor que há. Ou seja, o espaço de ação de Ronaldo vai sendo cada vez mais reduzido mas a sua letalidade mantém-se intacta. Por conseguinte, há que aproveitar esse balão até ao máximo sobretudo em jogos onde os adversários tendem a ficar acostados dentro de um bloco baixo. E com um pensamento-base: quanto mais cedo chegarmos à vantagem tanto melhor. Nestas partidas, os golos são mesmo como o ketchup: quanto mais cedo melhor e mais abundantes.
A entrada de rompante reflete, contudo, apenas uma face da moeda. O próximo desafio passará por se perceber como a seleção portuguesa irá reagir frente a equipas de maior poderio, onde obrigatoriamente terá de passar por momentos de encaixe na posição de dominado. Martinez entrou sem revoluções na convocatória mas com uma primeira preocupação evidente: tornar a equipa mais competitiva e hábil a “despachar” adversários que são claramente inferiores. A adoção de um sistema de três centrais é inteligente para esse desiderato mas terá de ser moldável e plástica no futuro, caso contrário poderá tornar-se num ponto fraco. Daí que os elogios a Gonçalo Inácio não tenham sido ingénuos: trata-se de um jogador determinante no desenho do novo selecionador – pelo seu desempenho no Sporting e pela sua rápida habilidade no processo de construção, subindo linhas e criando zonas de construção com uma naturalidade de processos que capitaliza toda a restante equipa. Uma equipa onde continua a pontificar Ronaldo e uma questão de liberdade de expressão: se bem que pareça não ter razão nenhuma (nem gratidão) quando se esquece de mencionar um ex-selecionador que sempre o defendeu, há que ter em conta que o fez de forma ponderada, racional e inteligente. Sem polémicas nem atritos. No fundo, a opinião de Ronaldo é tão válida como a dos seus colegas e deve de ser respeitada. O que interessa é ter de volta o “CR7” sorridente, tranquilo, e com rendimento assinalável pela seleção nacional. Se ele pensa como um ou dois por cento da massa critica, ficará ao seu critério e responsabilidade. Siga a dança, vamos em frente!