Tal como avançado pelo Jornal Gaia semanário em primeira mão, na passada quinta-feira, dia 30 de março, o Parque Tecnológico da Madalena acabou mesmo antes de começar. Na segunda-feira, em reunião de executivo, foi já aprovado o Ecoparque do Atlântico, a implementar naquele local. Promotores ameaçam com tribunais.
Foi com palavras fortes que Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, explicou aos vereadores a sua posição sobre o projeto do Parque Tecnológico da Madalena, apresentado há cerca de um ano. Começando por explicar o incumprimento por parte da empresa promotora, que após ter dado o sinal de cerca de 600 mil euros, falhou o segundo pagamento acordado até 31 de janeiro de 2023, garantindo que “até este momento, em que estamos aqui a discutir o tema, não chegou à Câmara qualquer justificação para este incumprimento. Silêncio total”.
Na proposta, a Câmara lembra que na sequência da acriação do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado – Gaia Douro, em 19 de dezembro de 2008, a Câmara Municipal vendeu, ainda em 2008, um conjunto de imóveis do património municipal, onde se incluíram os terrenos do Parque de Campismo da Madalena, que integraram atualmente a carteira imobiliária do Fundo. Após esta transmissão de propriedade, o Município passou a pagar, pelo arrendamento deste terreno ao Fundo, uma verba mensal de 19.409,19€.
Eduardo Vítor Rodrigues fez ainda questão de justificar que, “o facto de passarmos a poupar este valor, pesou, obviamente, na aprovação da proposta de criação do Parque Tecnológico da Madalena”. O presidente justifica ainda que “os mesmos que hoje criticam todo o processo e já sabiam tudo desde o início, seriam os primeiros a criticar e a dizer que eramos uns burros, se não tivéssemos acolhido a proposta”.
Ainda na proposta colocada a votação, pode ler-se que além do pagamento que deveria ter sido efetuado, “a promitente compradora se comprometeu a obter o reconhecimento do projeto como de Potencial Interesse Nacional (PIN), elemento decisivo para a posição do Município, o que nunca aconteceu até ao momento, não obstante toda a colaboração concedida pela Autarquia para realizar estudos sobre a viabilidade urbanística, arquitetónica, sustentabilidade ambiental e económica do projeto”.
Eduardo Vítor Rodrigues garantiu ainda antes da votação que aquele espaço passará a ser “zona verde e de equipamentos, de forma a dar-lhe um fim público e, se necessário, vai exercer o direito de preferência junto do Fundo face a eventuais futuras ofertas”, aprovando depois “culminar o atual processo de compra e venda, no imediato, com as consequências atrás referidas”.
Caixa Geral de Depósitos não se pronuncia
Contactado pelo nosso jornal, o fundo gestor do projeto, propriedade da Caixa Geral de Depósitos, afirmou “não poder ser prestada qualquer informação ao abrigo da obrigação do sigilo bancário”.
Confrontados com o facto de estarmos a falar de dinheiros públicos e da sua gestão/aplicação, facto de deveria ser suficiente para que todos tivéssemos direito à informação, afirmaram simplesmente que “o fundo apresenta contas sempre que a lei obriga e na forma em que a lei obriga”.
PSD tentou adiar discussão para aguardar mais informação
Ainda antes da votação da proposta de resolução do contrato do Parque Tecnológico e da sua substituição pelo Ecoparque do Atlântico, Cancela Moura, vereador do PSD na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, interpelou Eduardo Vítor Rodrigues, propondo que o ponto em discussão fosse “retirado até que tenhamos mais informações”.
Cancela Moura fez questão de alertar o executivo que “as dúvidas que suscitamos impedem, naturalmente, que o PSD, por ora, possa acompanhar a presente proposta”. A bancada laranja aludia ao facto de se saber “apenas, aparentemente, que um projeto qualificado pelo Executivo como bom e um alívio para as contas municipais e que contou, apesar de tudo, com o apoio prudente do PSD, terá agora deixado de o ser”.
Lamentaram ainda os vereadores laranja que “as expetativas geradas em torno daquilo que poderia ser um investimento estrutural e de importância estratégica para o Município, um projeto de valor acrescentado que, afinal, caiu antes de começar”.
Face às noticias que tinham vindo a público ainda antes da reunião, que esboçavam já uma reação da entidade promotora, Cancela Moura afirmou temer existirem “condições contratuais que motivem e constituam motivo para que os investidores privados enveredem pelo contencioso judicial, suscetível de imputar à Câmara a responsabilidade, por quebra de boa-fé negocial, pelos prejuízos causados, nomeadamente face ao que indiciam subliminarmente as declarações do promitente comprador, vindas a público”, razão pela qual votariam contra a proposta”.
Sobre o futuro Ecoparque do Atlântico, o PSD mostrou também bastantes reservas, uma vez que na proposta, “a única referência sobre o Ecoparque do Atlântico, resume-se à nomeação do Eng.º Luís Alves como Diretor do projeto e nada se diz sobre o respetivo modelo de conceção e financiamento ou sobre o respetivo programa ou termos de referência”.
Eduardo Vítor Rodrigues não tem dúvida que o contrato ficou sem efeito
A este respeito, em declarações aos jornalistas, no final da reunião, Eduardo Vítor Rodrigues afirmou que tem preocupação, “mas quanto à falta de vergonha que algumas pessoas manifestam”. Afirma o presidente da Câmara que, “não cumprindo os prazos, o contrato caduca. Eles não só não cumprem os prazos, como não têm, pelo menos, uma explicação. Uma coisa é alguém que não cumpre a prestação ao banco porque se esqueceu ou foi de férias. Outra coisa é não cumprir por estar desempregado. Nós olhamos de forma diferente para coisas iguais, dependendo do contexto. Aqui, nenhuma justificação foi dada. Agiram como se nada fosse”.
Sobre a ameaça do promotor de avançar para a justiça, Eduardo Vítor Rodrigues disse simplesmente que “eles podem interpor os processos que entenderem. Para interpor um processo judicial não é preciso fundamento, vasta querer. E depois a decisão ver-se-á. Mas perante factos destes não me parece que haja algum fundamento”.
PAN congratula-se pela criação de mais um parque verde
Pedro Ribeiro castro, Deputado Municipal eleito pelo PAN, “congratula-se por ver o nascimento de mais um parque verde, que apesar dos já existentes, é ainda uma carência no concelho”.
No entanto, afirma “nunca ter acreditado muito neste projeto tecnológico. Estamos a falar de empresas que neste momento despedem milhares de pessoas por todo mundo e que dificilmente viriam investir para Gaia, mais propriamente para a Madalena, no litoral, num local com fracas acessibilidades e sem transportes públicos eficientes que pudessem dar resposta a um aumento previsível das solicitações”.
Para Pedro Ribeiro Castro, este “foi um negócio de certa forma mal explicado desde início e o PAN teve sempre o receio de ver aquele espaço transformado num aglomerado habitacional, até porque vimos durante o processo, a área construtiva daquele espaço passar para o limite máximo ou muito perto desse limite”.
Após este desfecho, o PAN “fica naturalmente satisfeito por ver aquela área transformada em zona verde e de equipamentos”, com o Deputado Municipal a terminar afirmando que vai agora “esperar por mais informações sobre o que vai ser efetivamente apresentado para o local, para depois poder tecer mais e melhores considerações”, vincando que neste momento “a informação é ainda muito escassa”.
Iniciativa Liberal com muitas dúvidas por esclarecer
Em declarações ao Jornal Gaia semanário, o Núcleo de Gaia da Iniciativa Liberal afirmou não poder “ficar satisfeito por ver um investimento desta dimensão cair por terra. Era algo que criaria emprego e alteraria, naturalmente, toda a economia local, não só daquela zona da Madalena, mas de todo o concelho”.
Apesar disso, Rui Ribeiro não deixa de demonstrar que “desde início que este processo gerava pouca confiança. A informação foi sempre muito genérica e escassa, perspetivando-se muita dificuldade na sua real concretização”.
Mas também a solução agora encontrada deixa os liberais “bastante apreensivos. Desde o final do ano transato que circula no meio empresarial que este projeto iria cair. E a autarquia, imediatamente após se confirmar o desfecho, anuncia um Eco Parque para aquele local. Portanto, ou a autarquia sabia há algum tempo que não havia parque tecnológico e nada disse, ou tomou esta decisão, mais uma vez, em cima do joelho”.
Rui Ribeiro termina afirmando que a Iniciativa Liberal aguardará, “com serenidade, os próximos desenvolvimentos. Até porque já se ouve inclusive em alguns círculos, que este investimento irá parar ao outro lado do rio, mais propriamente a Matosinhos. São neste momento muitos ses e, por isso, só mesmo após os esclarecimentos que obrigatoriamente acabarão por surgir poderemos ter um quadro verdadeiramente preenchido e analisar de forma mais assertiva tudo o que aconteceu e ainda está para acontecer”.
Chega exige saber todos os pormenores do negócio que agora ficou sem efeito
Jorge Pereira, Deputado Municipal eleito pelo Chega, afirmou ao nosso jornal que “o Chega irá procurar saber todos os pormenores deste negócio e solicitar, por isso, todos os esclarecimentos necessários a que se perceba o que, verdadeiramente, se passou”.
Para Jorge Pereira é “verdadeiramente importante perceber quem eram estes compradores e o que pretendiam ao certo. Não é normal alguém sinalizar um negócio com cerca de meio milhão de euros e depois o mesmo não se concretizar com esta ligeireza. Quando direta ou indiretamente está em causa o dinheiro dos contribuintes, as coisas têm de ser claras e é isso que vamos procurar esclarecer”, sintetizou o deputado municipal.
CDU considera haver falta de planeamento
Em conversa com o Jornal Gaia semanário, a CDU considerou que “a suposta empreitada do Polo Tecnológico da Madalena, foi apresentada sem o necessário debate dos órgãos autárquicos municipais e, num registo propagandístico, nunca existiu informação sobre os trâmites exatos acerca das intenções dos investidores, como se veio a confirmar pelas noticiadas abordagens de aumentar a capacidade construtiva”.
Nesse sentido e até pela centralidade e importância da localização, a CDU considera “que não é do interesse público os avanços e recuos que manifestam uma aparente falta de planeamento”, até porque, segundo a CDU, “importa realçar que este anúncio serviu os interesses da especulação imobiliária que afeta profundamente a Freguesia da Madalena”.
Lembram depois os comunistas que “tudo isto acontece num terreno que, como outras importantes infraestruturas do município (dando como exemplo as Oficinas Gerais e o Quartel dos Sapadores) são exemplo da gestão profundamente danosa da maioria PSD/CDS no Executivo Municipal, que comprometeu os Gaienses numa solução contra os seus interesses até 2031”.
Ainda assim e tendo tudo isto em conta, a CDU considera que “a solução apresentada pelo executivo do Partido Socialista, com a criação do Ecoparque do Atlântico, parece-nos positiva. Salvaguardar a permanência do Parque de Campismo e criar Espaços Verdes de acesso público é uma reivindicação de várias décadas da CDU”, que desta forma evoca a celebração os 40 anos do Parque Biológico de Gaia que, “como é de conhecimento público, foi criado por proposta e iniciativa da CDU”.
Luís Alves (Cantinho das Aromáticas) contratado para executar “master plan” do Ecoparque
A proposta votada na passada segunda-feira, além da revogação do negócio do Parque Tecnológico e da criação do Ecoparque do Atlântico naquele local, aprovou também a contratação de Luís Alves, do Cantinho das Aromáticas, para elaborar o master plan do que se pretende para os terrenos do Parque de Campismo da Madalena.
Em declarações aos jornalistas, à margem da reunião, Eduardo Vítor Rodrigues afirmou que a contratação de Luís Alves, por contrato de prestação de serviços, acontece porque ele “neste momento está mais liberto, pelas razões que se sabe, do Cantinho das Aromáticas, foi o responsável dos Jardins de Serralves, trabalhou em Londres, é alguém com cabeça e que percebe”.
Eduardo Vítor Rodrigues afirmou ser necessário estruturar a ideia e definir corretamente o que ali vai ser feito. “Não podemos correr o risco de ter uma manta de retalhos”, finalizou.
O objetivo é no último trimestre de 2023, ser apresentado por Luís Alves o primeiro projeto preliminar, para consulta pública, por forma a que no arranque do próximo ano possa haver a versão final.
Fundo promotor afirma ser falsa a versão da autarquia
Ao contrário do que foi dito pela autarquia, a Gestão Capital (promotora do Parque Tecnológico da Madalena) começa por afirmar que “a falta de pagamento da segunda parcela da compra do terreno foi devido ao incumprimento, pela Câmara, da formalização do protocolo de contrapartidas negociado e acertado entre as partes desde 2022”.
Afirma a empresa que “é descabido justificar a decisão de abortar o projeto com o facto de este não ter conseguido a classificação de PIN. Tão simplesmente porque só seria possível conseguir esse estatuto, numa fase mais avançada do projeto e desde que a Câmara tivesse formalizado o protocolo de contrapartidas (infraestruturas de acessibilidades, saneamento e eletricidade) com o qual a Câmara concordou em 2022, mas que nunca chegou a aprovar nos órgãos competentes da câmara”.
O Fundo brasileiro afirma ainda que “é incompreensível ter sabido da intenção de abortar o projeto pela comunicação social”, não deixando de mencionar a estranheza em que, “de repente, tenha surgido o Ecoparque do Atlântico, pronto a ser votado e aprovado pela Câmara de Gaia”.
Terminam depois afirmando que em “5 de abril de 2023, a GIH interpelou as entidades Câmara Municipal de Gaia e a Fundger no sentido de fazer valer os acordos já estabelecidos”, pelo que os próximos capítulos serão, ao que tudo indica, nos tribunais.
Valores envolvidos no negócio ainda por explicar
Anunciado de forma pomposa, sobre a bandeira da criação de 15 mil empregos, este foi um negócio que sempre deixou dúvidas quanto aos valores envolvidos. Além de nunca ter havido confirmação mínima, por parte de nenhuma das tecnológicas envolvidas, uma vez que aquando da apresentação, ninguém se inibiu de mencionar o Facebook, a Tesla, a Samsung ou a Google, entre outras.
O negócio que agora caiu por terra, contemplava a compra daqueles terrenos por 38€ o metro quadrado, isto numa zona onde, em média, os terrenos são vendidos por cerca de 300€ por metro quadrado. A juntar a este facto, uma avaliação recente, efetuada sob os parâmetros definidos pelo regulamento da CMVM, atribuiu aqueles terrenos um valor acima de 49 milhões de euros.
Levanta-se por isso a dúvida sobre o motivo que leva um fundo internacional, que visa simplesmente o lucro, falhar o pagamento de uma prestação de cerca de 3 milhões de euros, originando assim a quebra de um negócio onde ganhariam, sem fazer nada e de forma automática, cerca de 40 milhões de euros (diferença entre o valor dos terrenos e o valor da venda), a juntar à perda dos 600 mil euros de sinal.