Não foi o melhor guarda-redes que o FC Porto já teve e a sua figura dificilmente irá para o museu do clube, isto muito embora o seu rendimento tenha sido imaculado: Marchesin. Na altura, em 2019, foi contratado ao América do México e entrou na equipa poucos dias após ter aterrado no aeroporto – pré-eliminatória da Liga dos Campeões frente ao Krasnodar da Rússia, quando se esperava que o titular nessa partida em questão fosse Vanã.
Um exemplo, uma história recente do FC Porto, que representa um benefício direto e indireto trazido pelo guarda-redes argentino: em primeiro lugar o rendimento imediato (leia-se uma baliza sem tremedeiras) no seguimento do período pós-Casillas; depois (e mais importante do que tudo) a contratação de um guarda-redes de transição, que jogasse sem problemas enquanto a “grande truta” Diogo Costa ia crescendo tranquilamente no viveiro, até ser lançado na altura certa de forma consolidada e sem hesitações. Uma aposta que resultou em cheio.
De 2019 à atualidade: Sérgio Conceição reclama (ou parece reclamar) um maior investimento nos quadros do clube até porque a maior parte dos elementos que compõem a equipa principal vieram (como vieram) da equipa “B” ou então de equipas de média dimensão do campeonato português. Em primeiro lugar, a reivindicação enquadra-se no perfil de um técnico (na componente pessoal) conhecido por dizer aquilo que pensa de forma genuína, sem subterfúgios nem apatias. Sérgio Conceição não podia ficar de braços cruzados nem à espera que a sua mensagem passasse por osmose até à administração. A questão é de euros e não só: por muito que a atual visão – miúdos da “B” e jogadores de equipas médias – seja frutífera, romântica e válida em termos de sustentabilidade financeira, impõe-se a contratação de jogadores feitos e que dispensem o tal período de adaptação e de trabalho em laboratório. Chegar, aterrar, receber instruções e jogar. Marchesin e Uribe.
É lógico que podemos contra-argumentar com alguns casos particulares. Como o de Luis Diaz, que meio ano antes de explodir era suplente utilizado; e de Pepê, que passou quase um ano no laboratório; ou mesmo Evanilson, hoje cobiçado por toda a Europa depois de um minucioso trabalho de retoque e adaptação aos contextos do futebol europeu. É claro que o resultado final só valoriza o treinador e, valha a verdade, o rótulo de “fazer omeletes sem ovos” só cai bem do ponto de vista do curriculum e da demonstração imediata de competência. Mas o outro lado da medalha reside no rendimento desportivo, compaginado em investimento avultado ou então no elemento tampão (Marchesin) que permita o desenvolvimento harmonioso dos tais jovens ou quadros mais impreparados.
Ou seja, quando Sérgio Conceição intervém no seguimento da eliminação injusta do FC Porto da Liga dos Campeões e, para além disso, apresenta exemplos pontuais de um André Franco que cruza alto para a área e de um Namaso mal colocado na área naquela determinada jogada, está a referir-se a jogadores em processo de desenvolvimento e que, porventura, não (ou ainda não) deveriam estar a jogar um embate decisivo da Liga dos Campeões. E a rebobinar para o contexto dos “Marchesin” desta vida: que não foi contratado para proporcionar o lucro financeiro (vender por um preço mais elevado do que aquele que custou) mas antes para provocar um lucro indireto que resultou do trabalho de tampão que realizou para Diogo Costa crescer dentro de um mar de serenidade. Daí a sua missão ter sido bem sucedida.
Há ainda a questão dos elementos contratados nesta temporada, com David Carmo e os seus 20 milhões de euros à cabeça. Com uma questão tática a despontar: se o Braga de Carvalhal jogava com três defesas, o FC Porto aposta num sistema diferente, o que naturalmente se consubstancia em tempo de adaptação. O contra-argumento é o rotundo “não”: quando um jogador custa 20 milhões de euros tem de estar preparado para todos os desenhos táticos e dinâmicas e apresentar rendimento imediato. No caso, o contraponto da questão parece residir na idade do jogador: 23 anos. E numa análise externa, que muito embora estivesse correta, pressupôs um bombástico rendimento imediato que não aconteceu. Por isso, o plano teve de ser ajustado: David Carmo no banco, na equipa “B” e, sobretudo, a trabalhar dentro de um contexto de treino onde, com tempo, vai evidenciar toda a sua qualidade. Sem fracassos nem catástrofes. Apenas ajustes do planeamento inicial, até porque David Carmo não é nenhum caso “Imbula” e, nacionalmente falando, em caso de titularidade no FC Porto pode rapidamente saltar para uma seleção nacional que agora joga com três defesas e aposta de sobremaneira em centrais esquerdinos.
Mas nem tudo vai mal os lados do Dragão. Pelo contrário, até vai bem ou razoavelmente bem. Numa temporada marcada por saída abrupta de jogadores importantes, conquistar (eventualmente) a Taça de Portugal, a Taça da Liga e a Supertaça, alcançar os oitavos da Liga dos Campeões e terminar em 2º lugar não é um mau cartão de visita. Em termos de análise fria. É claro que o discurso interno do Dragão (e assim é que tem de ser) é que tem de ser mesmo para ganhar tudo. Mas de fora a coisa nem estará assim tão má. O FC Porto está mais perto de vencer do que do declínio. Há vida para lá desta temporada.
*publicado na edição em papel de 05 de abril de 2023