publicado na edição em papel de 13 de janeiro de 2023
O Douro Rugby Club existe desde 2020 e mesmo com todos os constrangimentos da pandemia, “formamos a equipa”. Durante muito tempo considerado um desporto elitista e violento, a modalidade viu este clube rasgar preconceitos e fazer da inclusão uma arma, em direção ao futuro que aparenta ser bastante promissor.
O Jornal Gaia Semanário esteve à conversa com a equipa do Douro Rugby Club, conhecendo melhor esta equipa.
Surgiu em Vila Nova de Gaia em plena pandemia e no símbolo, entre outros, tem as ondas, que representam o rio que banha “a nossa bela cidade”. Guilherme Fonseca, presidente do clube, com um ar de orgulho, explicou que o objetivo é “melhorar a cada dia, melhorar a cada ano, chegar a novos escalões”.
Marco Alves, treinador da equipa, vincou que o rugby “não é de todo violento. É um desporto de muito contacto, muito físico, mas de violento não tem nada”. Para isso muito ajudam as regras de segurança, cada vez mais aprimoradas, procurando cada vez mais segurança para que o jogador, “principalmente em momentos de contacto, naturais neste desporto”. Não pode haver nenhum tipo de contacto acima do peito e abaixo do joelho, para não provocar lesões. E há sempre proteção de um jogador que está no chão. Há o cuidado, principalmente por parte dos árbitros e dos intervenientes, de garantir a segurança física do jogador.
Com 15 jogadores para cada lado, um árbitro de campo e dois bandeirinhas, um jogo de rugby tem a duração de 80 minutos, dividido em duas partes de 40 minutos contados, não corridos. Sempre que o treinador entende pode mandar parar o jogo.
Guilherme Fonseca explicou-nos depois que este é um deporto acessível a todos e “que pode ser praticado a partir dos três anos”, apesar de normalmente, ser a partir dos seis. O pendurar das chuteiras depende apenas da vontade de cada um. “Temos atletas na casa dos cinquenta anos de idade e outros mesmo que já passaram os cinquenta”. Acabam por ser jogadores “mais duros, mais experientes, com mais histórias para contar e mais crachás de guerra”. E a partir de certa idade, abandona-se o rugby de contacto e passa-se para o rugby de toque, onde “em vez de uma placagem em que depois o jogador vai ao chão, existe um toque com as duas mãos que simboliza a placagem. O jogador tocado, larga a bola e cai”. Esta modalidade é também utilizada com os mais novos, abaixo dos 12 anos de idade.
“Nós somos o primeiro projeto na Península Ibérica em que os praticantes não pagam para poder jogar”, afirma Guilherme Fonseca. Não há mais nenhum projeto na Península Ibérica que seja assim, “e eu arriscar-me-ia mesmo a dizer, na maioria da Europa (pelo menos não conhecemos mais nenhum) em que não se pague um único cêntimo de mensalidade”.
Na formação, estamos a fazer um esforço conjuntamente com a Câmara Municipal de Gaia, nosso impulsionador, para termos a escola Municipal de Rugby de Vila Nova de Gaia. Será uma iniciativa pioneira e “queremos acabar com o estigma do rugby ser para as elites. Nós queremos ter um rugby para as massas. Aqui vemos mulheres a treinar rugby, vemos homens a jogar rugby, veremos crianças a treinar rugby, e ninguém paga mensalidade”.
A equipa feminina, um dos orgulhos do clube, tem crescido muito por um vontade de um dos co-fundadores, Hélio Carvalho, que em 2020, em plena pandemia e com todos confinados, que “o nosso clube de rugby de séniores tinha de ter um dia mulheres a jogar”. Mas também porque “tivemos a oportunidade, de uma atleta Luso-descendente, que nos bateu à porta, vinda da Africa do Sul. Foi a primeira pedrinha, o primeiro tijolo, sólido e robusto, como queremos que seja a nossa equipa feminina”.
Neste momento há sete mulheres na equipa. A Federação Portuguesa de Rugby, nos últimos anos tem feito um esforço para cultivar e divulgar o rugby no feminino. No entanto ainda não existe a cultura necessária. “Temos aquela noção sexista, e com uma masculinalidade tóxica, de associarmos o rugby a um desporto de homens. Nós queremos rasgar completamente com esse preconceito. Mas também queremos rasgar o rugby como desporto para as elites. Ou o praticar porque o meu pai praticou. Ou porque somos betos da Foz. Nós praticamos porque gostamos da modalidade. E qualquer um pode jogar aqui, independente de ser pobre ou rico, preto ou branco, mulher ou homem, gay ou hétero”.
Guilherme Fonseca falou depois das cinco posições do rugby, cada uma delas tem uma tarefa e um papel a desempenhar dentro de campo, exigindo diferentes caraterísticas físicas e motoras. “O grande e o pequeno têm lugar no rugby. O gordo e o magro, o rápido e o mais lento. Todos têm lugar no quinze titular de numa equipa de rugby. E este é também um preconceito a ser quebrado”.
Aproveitando as skills de cada um, o Douro Rugby Club procura espremer todas as potencialidades de quem tem cargos de destaque na sociedade civil, nas suas empresas, nas suas atividades, nas suas artes, para fazer crescer o clube.
Ao longo dos últimos 30 anos houve pelo menos 4 tentativas de implementar uma equipa de rugby em Vila Nova de Gaia, ainda que apenas 2 documentadas, e todas fracassaram. “Contra todas a apostas, que diziam que ao fim de um ano e meio fecharíamos as portas, ainda estamos cá. O número de atletas masculinos cresce a olhos vistos. O feminino é uma realidade. E a formação está a ser implementada”.
Muito importante também tem sido o apoio da autarquia. “A Câmara de Gaia tem sido arrojada, tem tido a coragem certa, e tem sido diferenciada por não seguirem a manada. Era muito fácil despejarem dinheiro no futebol e ignorarem outros desportos. Gaia teve a coragem que muitos municípios não têm e que muitos outros clubes de rugby desejariam”.
O clube tem no entanto, ainda um longo trabalho pela frente. “O que está mesmo a faltar são campos, balneários e uma sede. Nós não temos um espaço nosso. Os poucos troféus que temos são colocados em casa de atletas ou dirigentes”.
Após um primeiro ano com muitas dificuldades em ter campo certo para treinar e jogar, com a ajuda da Câmara, hoje esse problema está ultrapassado. “Hoje não temos essa instabilidade nos treinos, mas muitas vezes podemos tê-la nos jogos. E é complicado andar com a casa às costas”.
Somos amadores, como todo o rubgy em Portugal, e mesmo a Seleção Nacional de Rugby trabalha maioritariamente com jogadores amadores. A Seleção de Rugby, foi pela segunda vez na história apurada para o Mundial da modalidade, e a maioria são amadores. Embora exista na Liga de Honra jogadores, principalmente estrangeiros, mais ou menos remunerados, quase todos eles têm uma profissão para além do Rugby, Portanto a modalidade tem ainda um longo caminho para trilhar. “Mas já demos passos largos face ao objetivo de uma maior dignidade da modalidade. E nós queremos que o Douro Rugby seja mais um tijolo nesse muro e um degrau nessa escada, para dignificar a modalidade”.
O clube gaiense participa no Campeonato da Segunda Divisão de Rugby, que equivale à terceira. “Temos a Liga de Honra, o Campeonato Nacional 1 e o Campeonato Nacional 2. Neste momento, o nosso clube conta com 40 jogadores inscritos”, finaliza Guilherme Fonseca.
O treinador Afonso Nogueira explicou como é treinar o clube. “Comecei a treinar esta equipa há algumas semanas e há muita camaradagem. Ainda na semana passada tivemos um treinador de outro clube, que nos veio dar uma mãozinha, veio incentivar os nossos jogadores a entusiasmarem-se com este desporto. Há uma rivalidade saudável entre os clubes do norte, fazemos jogos amigáveis e se calhar o mais desafiante é mesmo captar jogadores, porque em Portugal não há uma cultura implementada desde as camadas jovens no rugby. Temos visto é muitos adultos a quererem jogar pela primeira vez, e temos por outro lado jogadores com alguma formação. É curioso ver esta mistura. Não é fácil conjugar todos no mesmo jogo, mas é aliciante”.
Falando com os atletas, José Pedro Lamego começa por referir ter vindo “para o rugby para experimentar. É um desporto que incute muitos valores, respeito pela equipa adversária e pela equipa de arbitragem. Temos muito companheirismo dentro de campo”, explicou.
Sofia, atleta de 31 anos, afirmou ter vindo para o rugby “não por ser um desporto de massas, mas por ser um desporto com valores, respeito, solidariedade e integridade”.
Inês, também com 31 anos de idade, explica que “sempre fui competitiva, individualista e fiz muito desporto de alta competição quando era mais nova, em desportos individuais. O Rugby permite jogar com todo o tipo de características. Por exemplo, se tivermos uma pessoa com mais peso, provavelmente será alguém com mais força, e tem por isso um papel importante no rugby. Se tivermos uma pessoa mais pequena e muito mais magra, provavelmente será uma jogadora mais rápida, jogando em outras posições”.
