Ao analisarmos o impacto do poder local democrático resultante da revolução de abril, instituído pela constituição portuguesa de 1976, facilmente reconhecemos que os seus resultados são positivos.
É, pois, importante, desde logo, agradecer aos muitos autarcas que se dedicaram ao bem comum abdicando, por vezes, das suas vidas familiares e profissionais, não ignorando, no entanto, que alguns, poucos, não merecem esse agradecimento, por condutas inapropriadas às funções.
A proximidade entre eleitos e eleitores tem potenciado respostas concretas e positivas à grande parte dos problemas que se colocam aos nossos territórios e às nossas populações.
Como reconhecimento desses resultados, os sucessivos governos da república, têm transferido competências e atribuições para as autarquias locais, procurando reforçar esses mesmos ganhos de eficiência e eficácia.
Mas o crescente aumento de competências, atribuições e desafios com que os municípios se veem confrontados exigem, também, um aumento da capacitação institucional, consubstanciada num novo sistema de governo local, mais participado, mais partilhado, mais exigente, mais escrutinado e concomitantemente mais transparente.
A composição, organização interna e constituição dos órgãos locais consubstanciam um sistema de governo autárquico cuja classificação é adjetivada, por grande parte da doutrina, como sui generis, estranho e insólito.
Embora se fale da reforma do sistema de governo local há vários anos, as alterações ao mesmo, apontadas como necessárias, tardam em chegar.
O aumento das competências e responsabilidades dos municípios, resultante de processos de descentralização e de um maior envolvimento das autarquias locais nos processos de integração e desenvolvimento regional, nem sempre foram acompanhadas por um nível adequado de capacitação institucional e de disponibilização de recursos financeiros adequados, para fazer face a essas novas exigências da governação.
Com o processo de globalização emerge uma nova realidade social, económica, cultural e ambiental e a necessidade de dar resposta a problemas emergentes, complexos e transversais, que exigem alterações nos modelos de gestão no setor público e mudanças nas formas de participação política.
Essas transformações tiveram e continuam a ter impacto no papel dos atores, das instituições e dos processos de governação local e reforçam a necessidade de desenvolver um novo modelo de governação local.
O centralismo do poder é comumente reconhecido como fonte de fragilização das complexas interações económicas e sociais entre os diversos atores do processo de governação local o que tem resultado numa diminuição da confiança dos cidadãos nas decisões tomadas.
Segundo a (Transparency International, 2015), a existência de governos locais onde os executivos atuam de acordo com regras e procedimentos estipulados por lei, mediante um sistema efetivo de freios e contrapesos (checks and balances) e são responsáveis perante órgãos de fiscalização e um eleitorado bem informado e interessado em assuntos locais, configura um sistema que promove a qualidade da governação local.
Em contraste, a “má governação” aparece usualmente associada a baixos níveis de participação, à falta de transparência e favoritismo nos processos de decisão, à ausência de critérios de qualidade e de boa gestão na prestação de serviços públicos, a fracos desempenhos socioeconómicos ao nível local ou, em última análise, a elevados níveis de informalidade e corrupção.
A boa governação local depende da qualidade das interações executivo‑sociedade local, e as Assembleias Municipais são o canal institucional, por excelência, para a participação dos munícipes nestes processos políticos. Por esta razão, os indicadores de participação nas reuniões do órgão deliberativo local são uma fonte essencial para medir a pressão exercida pelos cidadãos para a resolução de problemas de governação local. Ora, segundo um estudo recente sobe a qualidade da governação nas autarquias locais, quase dois terços dos municípios apresentam níveis de participação dos cidadãos nas Assembleias Municipais, muito reduzida.
Também o período reservado ao público, nas assembleias municipais, é praticamente inutilizado, em 90% dos municípios portugueses, bem como a reduzida capacidade dos munícipes em escrutinar os eleitos locais.
Estes números sugerem que os munícipes não utilizam os canais institucionais de forma frequente para articular as suas queixas o que produz consequências negativas para a qualidade da democracia local.
Ainda no mesmo estudo, conclui-se que estes resultados prendem‑se com o facto da assembleia municipal carecer de poderes substantivos para fiscalizar de forma efetiva as políticas públicas locais e a ação do executivo, estando o poder de decisão concentrado na câmara municipal.
A necessidade de assegurar o pluralismo no exercício da governação local fica clara, assim como a necessidade de reforçar os poderes de fiscalização e responsabilização política das Assembleias Municipais.
Perante as incoerências e limitações do atual modelo de governação autárquica, urge reformar o atual quadro jurídico de governação local garantindo que consubstancie, por um lado, a ideia de uma representação ampla de todas as forças políticas e, por outro, em contraposição, a ideia de estabilidade governativa e eficiência de gestão local e, ainda, a opção por um modelo de sistema com um pendor parlamentar.
Saliente-se, também, que a desresponsabilidade política entre os órgãos põe em causa a supremacia da assembleia e leva, tendencialmente, ao desrespeito da mesma pelo órgão executivo, pelo que uma nova lei das autarquias deverá prever os efeitos da moção de censura.
O sistema de governo deverá prever a eleição apenas da assembleia, sendo o presidente da câmara municipal o primeiro nome da lista vencedora dessas eleições, que depois escolherá os vereadores, em número mais reduzido que o atual, de entre os deputados municipais. O executivo municipal ficará sujeito a investidura da Assembleia Municipal, tornando o sistema mais claro e transparente.
Por sua vez a Assembleia Municipal deverá conter um número de membros mais reduzido. Saindo, assim, o órgão executivo do seio da assembleia municipal, deverá o mesmo ficar sujeito à fiscalização desta, cujos poderes de fiscalização se devem reforçar. O número de membros deste órgão deve ser reduzido, garantindo, no entanto, a necessária representatividade plural das candidaturas.
Também os recursos disponibilizados para a devida fiscalização do executivo municipal, nomeadamente o funcionamento e apoio técnico de comissões e a partilha de informação e transparência sobre todas as matérias versadas pela autarquia com instituições e sociedade civil, devem ser contemplados.
Celebrar a revolução de Abril impõe-nos a sistemática valorização do desenvolvimento democrático do nosso país. E isso só será possível sendo mais transparente e inclusivo nos processos de governação e envolvendo cidadãos informados e participativos.
Viva o 25 de Abril!