Estivemos à fala com o vereador de Avintes, Cipriano Castro, para sabermos como funcionavam as Juntas de Freguesia na época da ditadura em Portugal, dizendo-nos que já havia Juntas de Freguesia, mas que tinham uma dinâmica muito diferente das que tem hoje, devido ao poder centralizado na época. Recomendou-nos uma Monografia de Avintes que serviu de guião para o presente artigo.
As Juntas de Freguesia antes do 25 de abril tinham uma dinâmica muito diferente da que se apresentam atualmente. A Monografia de Avintes de junho de 2009, “De Abientes a Avintes”, descreve-nos um pouco como se organizavam a Juntas de Freguesia em Portugal, e como eram vistas no período do Estado Novo. José Vasco, e Paulo Costa Historiadores, juntamente com o à data Vereador da Câmara de Gaia, Francisco Barbosa, dedicaram o seu tempo a esta monografia.
Refere a mesma, que a Junta de Freguesia “nota-se, claramente, uma diminuição da capacidade interventiva da mesma durante o Estado Novo, durante o qual, não passava de ténue marco de correio, entre as populações e os restantes poderes”, nesta perspetiva e de uma foram muito sucinta, as Juntas de Freguesia não tinham nenhum papel de destaque, ou importância política na área que a residia. Com o 25 de abril de 1974, os órgãos locais “enriquecidos com a criação da Assembleia de Freguesia foram obtendo outras capacidades normativas de intervenção, mais poder financeiro de execução, condições mais alargadas de conhecimento e acompanhamento da vida coletiva, com a possibilidade do Presidente da Junta exercer as funções a tempo inteiro.”
Nos primeiros anos da democracia, o pós 25 de abril, a Junta estava plenamente aberta às populações, em quase todas as reuniões participavam moradores, isoladamente ou em grupo, para colocarem questões, não só de interesse individual, mas também relativos à vida comunitária. A partir do início do ciclo democrático, em que vivemos será diferente a abordagem à atividade autárquica local, limitando ao que se apresenta como intervenção original e paradigmática, ou de que tenha clara influência em toda a comunidade.
“Para além disso, as Juntas passaram a ter competências próprias mais vastas e meios financeiros mais alargados, mercê de transferência, consagradas por normativos próprios, mas também por protocolos específicos celebrados com a Câmara Municipal, e designadamente, no domínio das obras e jardins e das escolas, entre outras”, refere na monografia.
“Autonomia do Poder local”
“A Constituição de 1976, em alternativa democrática ao profundo esvaziamento da autonomia local que se tinha verificado durante o Estado Novo”, segundo a Associação Nacional Municípios Portugueses, XXII Congresso de 2015, “proclama as Autarquias Locais como um centro de Poder – o Poder Local.”
Durante 50 anos, as autarquias locais não passaram de meras extensões do Estado, frutos de uma ideologia autoritária e centralizadora, “em que os Municípios foram transformados em instrumentos de administração indireta do Governo, destituídos de qualquer autonomia e de recursos financeiros”, processando-se a sua administração num sistema de total dependência e subordinação face ao Estado Central. Reconhecem-se assim, em 1976, as Autarquias Locais como entidades autónomas do Estado, com especificidades suficientes para justificar uma existência protegida da ingerência do Poder Central.
Os conceitos de “autarquia local” e de “autonomia” são, desse modo, indissociáveis, coexistindo numa relação de interdependência. Ao identificar-se, na organização do Estado, um conjunto de interesses públicos próprios e específicos das populações locais, a autonomia das Autarquias Locais é encarada como o direito e a capacidade efetiva de regulamentar e gerir, sob sua responsabilidade e com vista à satisfação dos intentos e necessidades das populações, uma parte dos assuntos públicos.
É neste quadro que o Poder Local Democrático se consubstancia nas Autarquias Locais, quando estas são verdadeiramente autónomas, isto é, quando são suficientemente largas as suas atribuições e competências, quando são dotadas dos meios humanos e técnicos necessários, bem como dos recursos materiais suficientes para as prosseguir e exercer, e quando não são controladas politicamente pelo Poder Central.
Autonomia administrativa
Elemento essencial da autonomia local é, igualmente, a auto-administração, mediante órgãos próprios, democraticamente eleitos e constituídos no âmbito da própria comunidade local, envolvendo necessariamente a liberdade de condução dos assuntos autárquicos na esfera das suas atribuições, estando vedado ao Poder Central exercer um controlo de mérito dos seus atos, e confinando-se o exercício da tutela administrativa ao controlo da legalidade.
As autarquias locais constituem, assim, um pilar da organização democrática do Estado, configuradas como administração política legitimada pelo voto e assente na organização democrática do poder político, assumindo-se como um instrumento ao serviço da satisfação dos interesses próprios das populações, no seu âmbito de intervenção. A existência das autarquias locais está garantida constitucionalmente. No entanto, na legislatura em curso foi aprovada uma lei de reforma da administração territorial autárquica que extinguiu inúmeras freguesias.
Tal foi levado a efeito “desconsiderando-se o património coletivo da democracia de proximidade”, impondo-se, a partir do Governo e da Assembleia da República, um desenho das autarquias de freguesia que não teve em conta a história e os espaços de identidade secularmente consolidados, nem a vontade das populações e dos seus legítimos representantes. Esta reorganização territorial, realizada com a aplicação de fórmulas gerais para todo o país, não propiciou que as novas freguesias assentassem em territórios adequados à cabal representação das populações e nos quais estas se sintam freguesas, resultando ainda na extinção – rotulada de “agregação” – de centenas de freguesias, à revelia e, na maioria dos casos, em completo desrespeito pelos órgãos autárquicos democraticamente eleitos que, instados a pronunciar-se, liminarmente rejeitaram o processo.