
Gil Nunes
Jornalista
Eu até vou mais longe: F.C.Porto e Benfica descobriram todas as formas de conquistar a liga portuguesa: se os dragões preferiram o caminho de um coletivo à prova de bala, as águias gastaram milhões num plantel de top que automaticamente resolveria todos os problemas. São duas formas de se definir uma boa estratégia para se conquistar a liga portuguesa. Depois há o Sporting que não pensou em nada mas pensou em tudo ao mesmo tempo. Montar uma boa equipa e olhar para a frente. Dia após dia. Acabou por resultar em cheio. O Sporting vai ser, ao que tudo indica, o justo vencedor da liga portuguesa. E falta falar de um Braga que, ano após ano, se vai afirmando cada vez mais.
No clássico, o F.C.Porto procurou fechar a zona central – onde o Sporting é mais perigoso – ao mesmo tempo que procurava pressionar um pouco mais à frente e fazer com que os leões errassem. Com algum aperto mas nunca apertado às cordas, os leões foram saindo da zona de pressão às custas de algumas excelentes exibições individuais. Em primeiro lugar João Mário, exímio na descoberta de linhas de passe em zonas altamente povoadas. Trata-se de um jogador que dá que pensar: por vezes o maior desequilibrador não é aquele que finta meio mundo dentro de uma cabine telefónica mas antes aquele que equilibra meia equipa à custa de um passe ou de um espaço tomado por invisível para o comum dos jogadores. Fantástico! Depois, para além de João Palhinha, um jogador que me vai enchendo as medidas: Tiago Tomás. Excelente leitura de espaço, conquista de profundidade e capacidade de aceleração. Decisivo na interpretação dos movimentos e na leitura de jogo, obrigando a defesa do F.C.Porto a trabalho redobrado.
Quem conhece a equipa do Sporting sabe que os seus laterais são absolutamente fundamentais em toda a estratégia. Sérgio Conceição desenhou bem a estratégia e não facilitou, sobretudo no flanco direito, onde Otávio pressionava Pedro Porro em zonas adiantadas. Do outro lado, também Nuno Mendes estava condicionado pelo que o jogo tendeu para zonas centrais e para consecutivos duelos físicos onde, naturalmente, os dragões levam vantagem. Depois, os dragões são exímios num aspeto específico do jogo: a pressão alta. Em zonas muito adiantadas, muito acima do guarda-redes. Acontece que o Sporting está, nesse ponto específico do jogo, largos pontos acima da Juventus e nunca se atemorizou com a presença próxima de jogadores portistas junto da sua área. Maturidade e autocontrolo. Confiança a rodos. O Sporting sabe sair a jogar, não entra em pânico nem na anarquia do pontapé para a frente. Mesmo fortemente pressionado.
Frente ao Sporting e frente à Juventus, os dragões bem que se podem queixar da falta de forma da sua frente ofensiva. Mesmo com Taremi a recuar para acrescentar algum critério ao miolo – o que na falta de criatividade individual é sempre essencial – e Marega a procurar a profundidade pendendo para as alas, certo é que a astúcia na finalização esteve abaixo do que era pretendido. Se, frente à Juventus, tal pode ter custado uma eliminatória (e eu acredito vivamente que não), frente ao Sporting tal custou os três pontos. Seja como for, não é por ter empatado duas vezes frente aos leões que o F.C.Porto pode perder o campeonato. Não! A principal questão prende-se com a falta de atitude que a equipa apresentou em jogos cruciais – Paços de Ferreira e Boavista à cabeça – e falta de antídoto em relação a equipa que apresentem uma linha consolidada de cinco defesas – Marítimo e Boavista em grande destaque.
Já o Sporting sorri para um campeonato que dificilmente lhe vai fugir. Se bem que a componente ofensiva do Sporting de Braga dê que pensar, certo é que os leões possuem todas as armas necessárias para controlarem a vantagem até final. Notável trabalho de um técnico Rúben Amorim que consolidou o 3x4x3 e fez despertar jogadores jovens com grande margem de pressão. Frente ao F.C.Porto, destaque também para a exibição de Matheus Nunes. Excelente a forma como acelerou e garantiu solidez em termos de transição ofensiva, mostrando que é um elemento com uma tremenda margem de pressão. Também Gonçalo Inácio mostrou perícia na forma como encaixou num sistema de três centrais que é difícil de implementar – menos homens a controlar mais espaço, o que pressupõe maturidade e articulação meticulosa. É certo que o 3x4x3 é desmantelável, mas também é certo que ninguém o conseguiu desmantelar até hoje. A questão é que o Sporting também sabe de que forma pode ser desmantelado pelos seus adversários. E o respeito pelos leões é tal que mesmo na Taça da Liga os seus principais rivais tentaram jogar da mesma forma. O Sporting não é a melhor equipa do mundo. Nem tem o melhor plantel da liga portuguesa. Mas descobriu a forma mais simples de ganhar um campeonato: todos para o mesmo lado, interpretando a ideia base do treinador. Ponto.