O dia 5 de novembro é o dia Mundial do Cuidador Informal. Muito pouco se sabe sobre os cuidadores informais, há legislação sobre o assunto, “mas ainda há um longo caminho a percorrer, para que os cuidadores informais, sejam reconhecidos como tal”, e o Estado desburocratize e preencha a lacuna relativamente aos 30 dias de descanso.
A Associação Nacional de Cuidadores Informais, surgiu em 2016, “porque tinhamos feito um movimento de cidadãos, e na altura eram cidadãos cuidadores e ex-cuidadores com demência”, em que “achavámos que nós cuidadores não tínhamos direitos”. Juntaram-se e fizeram encontros na altura com o apoio do GNGL (Esquerda Europeia) e destes encontros saíu uma petição, que foi entregue na Assembleia da República em outubro de 2016. Havia uma lacuna na lei, algumas recomendações de alguns partidos políticos, mas nada de concreto. Era um tema sempre adiado.
A Associação acaba por surgir, no meio destes encontros, “de falarmos com alguns políticos e de uma série de reuniões que acabámos por ter. Constituímos a Associação em junho de 2018”.
O grande objetivo da associação, desde 2018, tem sido a implementação do estatuto do Cuidador Informal. Em 2018 conseguiram-se muitos debates em Assembleia, conseguiu-se depois a aprovação do estatuto por unanimidade em 2019, e a legislação saiu nesse mesmo ano.[ihc-hide-content ihc_mb_type=”show” ihc_mb_who=”8″ ihc_mb_template=”3″ ]
Mas desde 2019 até agora as coisas não têm corrido muito bem, porque a legislação previa 120 dias para a implementação do estatuto, que atirava para janeiro de 2020. Em janeiro de 2020 sai uma nova portaria, que define que vai haver 30 concelhos piloto, para se começarem a implementar o estatuto de cuidador informal, mas adia a lei para abril. E em abril dá-se a pandemia.
Desde junho de 2020 e com a duração de um ano, “teríamos então 30 concelhos piloto, distribuídos por todo o país, onde seriam implementadas as medidas ao cuidador, incluindo o subsídio de apoio ao cuidador informal”, salienta Maria Anjos, Vice-Presidente dos Cuidadores Informais.
Quem pode ser cuidador informal
O que o estatuto prevê para ser cuidador informal, á que exista um vínculo de parentesco até ao quarto grau, excluindo desde logo a possibilidade de um vizinho, um primo ou um amigo, de pedir esse reconhecimento. Relativamente aos subsídios de apoio, é o valor de 1 IAS, verba que é estabelecida pelo Orçamentos de Estado e que serve de base a todos os subsídios de apoio da Segurança Social, e que em 2022 foi de 443 euros. Prevê-se para 2023 um aumento de 8%, elevando para 478 euros, a base de subsídio de apoio ao cuidador informal.
Para ser considerado cuidador informal temos de ter alguém de quem cuidamos, com um subsídio de apoio já atribuído, quer seja o complemento por dependência. Há complementos de primeiro grau e de segundo grau, o de segundo grau é quando a pessoa já está acamada, ou subsídio de desistência por terceira pessoa.
Quando atribuído, é automaticamente deduzido do complemento de dependência, ou subsídio de assistência a terceira pessoa que a pessoa cuidada esteja a receber. Significa que se “eu tiver alguém que tenha um complemento de primeiro grau que são 108 euros, não vou receber os 443 euros, mas sim os 443 euros, menos os 108 euros. Portanto os 443 nunca são atribuídos, é apenas a base de cálculo”.
Se a pessoa cuidada não tiver um destes subsídios “nós não somos cuidadores informais, não somos reconhecidos. Isto para nós é uma lacuna, porque há muita gente que não sabe o que é o complemento e nunca pediu. Outros não querem pedir porque não querem estar a sobrecarregar o Estado com uma verba que não precisam, e o seu reconhecimento como cuidador não aparece”.
Na altura dos projetos piloto, fizeram parte da Comissão de acompanhamento desses projetos um conjunto de entidades, ligadas à Segurança Social, ao fundo de desemprego, à CNIS (órgão que toma conta das IPSS), às Santas Casas, e a autoridades independentes com conhecimento da matéria. Convidaram a Associação para fazer também parte dessa comissão de acompanhamento, mas “ficou muito aquém das nossas expectativas”. Mais ou menos durante um ano “apercebemo-nos que havia uma série de embargos para a aplicação das medidas, que na altura se justificava, por envolver Assistências Sociais e áreas da saúde, que durante a pandemia não conseguiam fazer coisa alguma”.
Os projetos piloto
Os projetos piloto acabaram por não refletir a necessidade das pessoas, nem colmatar as necessidades dos cuidadores, deveriam ter acabado em julho de 2021, mas foram prorrogados no tempo até dezembro de 2021. Só tiveram implementação de medidas no Continente, e apenas chegou a todos os concelhos em janeiro de 2022.
“Depois de muitas reivindicações e manifestações por parte da Associação, em representação dos cuidadores, a lei acaba por sair a 10 de janeiro, mas sem a indicação de como é que vão fazer a aplicação das medidas para o cuidador. Não se sabia em que moldes ia ser o descanso do cuidador”. Só mais tarde, em fevereiro, “sai a portaria que fixa a fórmula de cálculo do subsídio de apoio”. É a portaria 100/2022, “e a partir daí até hoje, estão por implementar todas as medidas, incluindo o descanso do cuidador. Estamos à espera que saia a portaria do Ministério das Finanças, com apoio do Ministério do Trabalho e Solidariedade e Segurança Social, “que nos diga qual é o valor que nós cuidadores vamos pagar se estivermos a usufruir dos 30 dias do cuidador. Na lei diz que vai ser numa IPSS, ou numa unidade de cuidados continuados, com custos reduzidos, mas nós não sabemos quais são os custos”.
Reivindicações
As reivindicações são a implementação das medidas de apoio de acordo com a lei. “Já escrevemos ao Ministério do Trabalho, à Secretária de Estado da Inclusão, e ao Presidente da República, que inclusivé nos recebeu. Pediu-nos o resumo das nossa reivindicações e enviou posteriormente, da casa da República para o Ministério do Trabalho, um pedido de esclarecimento. Mas até ao momento não obtemos respostas. A carta foi enviada no início do mês de setembro”.
Em junho havia sido lançada uma iniciativa legislativa de cidadãos, porque “não concordamos com a legislação que está aprovada. É demasiado burocrática, é muito restritiva, e não chega à maioria dos cuidadores informais. Está neste momento, na Assembleia da República, à espera de assinaturas”.
Para chamar a atenção para o problema, a associação promoveu uma concentração junto à Assembleia, pedindo a implementação das medidas, no passado dia 6 de outubro, e vão fazer um encontro no dia 05 de novembro, em Leiria, que terá a presença do Presidente da República e da Secretária de Estado da Inclusão. “Nós queremos ouvi-la, e queremos saber porque é que está tudo tão atrasado”.
O que se sabe neste momento, é que dos possíveis 180 mil cuidadores informais que podem pedir o seu reconhecimento, apenas havia em setembro, 9 mil com reconhecimento. “Só demostra que isto é processo muito lento, burocrático, complicado e que ainda não chegou ao conhecimento da maioria das pessoas. É uma matéria que ainda é desconhecida de muita gente. Para além dos média, que têm apoiado consideravelmente, acaba por ser a internet o meio mais veiculado, mas nem toda a gente tem literacia digital, para chegar a nossa informação pela internet”.
Um testemunho vivo
Alexandrina Pinto, uma professora de 55 anos, é cuidadora informal sem estatuto. “Porque sou professora, e as pessoas com vencimento não podem usufruir do estatuto de cuidadora informal. Estou com a minha filha que é uma doente oncológica”. Neste momento Alexandrina está com faltas injustificadas e à espera de uma licença especial.
“O nosso dia a dia é um desafio, temos os rituais antes da medicação e do pequeno almoço, depois a Ana vai um pouco para a escola. Tem 16 anos e os sonhos de uma adolescente da sua idade. Faz terapias diárias à tarde. Não pode estar todo o dia na escola porque se sente muito cansada”.
Devido ao estado se saúde de Ana, tiveram de ir viver para o Algarve, fugindo do frio do Norte, uma vez que vivia na Maia. Devido a um cancro na cabeça, Ana tem estado numa batalha pela sua vida nos últimos 14 anos. Um cancro na cabeça que vai crescendo à medida que a Ana cresce, alertou o seu oncologista.
Exaurida, Alexandrina já não sabe a quem mais recorrer a nível nacional. Já foi recebida pelo Presidente da República, e viu ser-lhe atribuída uma licença especial para dois anos. Mas a licença acabou e atualmente encontra-se numa situação muito delicada. A vida da Ana continua por um fio e não fosse a força de sua mãe, que não se permite baixar os braços, as coisas seriam certamente muito diferentes.
Neste momento Alexandrina está sem vencimento, porque não se apresentou à escola para trabalhar. “Tenho que cuidar da Ana, não posso deixá-la sozinha”. Ana precisa de cuidados constantes, de fazer terapia todos os dias, para tentar minorar os efeitos do cancro e financeiramente as duas estão desamparadas e desde segunda-feira sem qualquer fonte de rendimento e a aguardar uma decisão do Ministério da Educação.
Alexandrina tem divulgado o seu caso nas redes sociais, foi a programa de televisão para dar o seu testemunho e pede às pessoas que as sigam no instagram: anocas_amoremmovimento e no facebook: anocas.amoremmovimento.
Contactada a Secretaria de Estado da Inclusão sobre o tema, não foi dado até ao fecho desta edição, qualquer esclarecimento.
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