Sexta-feira, 13 Dezembro 2024

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CENAS E CONTRACENAS

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publicado na edição em papel de 21/10/2022

1. O ENCONTRO “SONS DE GAIA” reuniu no Auditório Municipal de Gaia, no início de outubro, quatro bandas filarmónicas gaienses que gozam de grande prestígio entre nós e fora de portas, onde têm granjeado um justíssimo reconhecimento pela excelente qualidade dos seus repertórios e performances interpretativas. Refiro-me às bandas de Crestuma, Lever, Avintes e Santa Marinha (Coimbrões), que proporcionaram quatro noites memoráveis ao numeroso público que respondeu à chamada. Quem assistiu ao evento, maravilhado com a destreza criativa demonstrada pelos seus maestros e com as potencialidades dos seus músicos, muitos deles jovens instrumentistas ainda formação, não imagina as grandes dificuldades com que se debatem algumas das bandas. É o caso, por exemplo, da Banda de Coimbrões (Sociedade Musical 1º de Agosto). Nós sabemos que o seu futuro nunca estará em causa face ao empenhamento e à paixão que os seus dirigentes, maestro e músicos colocam no que fazem, mas tudo seria muitíssimo mais fácil se os problemas que condicionam o desenvolvimento do seu excelente trabalho fossem contornados. Ou melhor: resolvidos de vez! E isso passaria obviamente por uma remodelação profunda da sua sede social. Ou, preferencialmente, conforme salientou o presidente da Câmara Municipal de Gaia, pela construção de uma nova sede, mais generosa em termos espaciais e desenhada em função das especificidades da sua nobre missão. E ao fazer esta afirmação, em 1 agosto de 2016, nas comemorações do seu centenário, o edil prometeu, com emotiva e arrebatadora convicção, que isso seria uma realidade muito em breve. A honrar (?) a palavra dada por Eduardo Vítor Rodrigues, consta-se que já existe um projeto de construção da nova sede social desta instituição gaiense e que está definitivamente decidida a sua localização. Dizem que será nas imediações do aquartelamento dos Bombeiros Voluntários de Coimbrões. Mas o início da sua edificação já tarda, há muito. Há pelo menos 6 longos anos e quase três meses!

2. O AUDITÓRIO MUNICIPAL DE GAIA continua sem uma programação atrativa e regular e um projeto comunicacional agressivo, que ajudem a criar uma corrente de públicos informados, com massa crítica e hábitos de fruição cultural. Acrescentaram-lhe o pomposo nome de “centro de congressos”, mudaram-lhe a fachada, deixaram impressa a marca do município no passeio fronteiro à sua entrada principal em calçada portuguesa, renovaram a bilheteira e o foyer, mas esqueceram-se de rever os erros existentes na “caixa de palco”! As deficiências acústicas persistem, o número de varas disponíveis no urdimento e na frente do proscénio para iluminação de cena mantém-se deficitário, a relação palco-plateia continua a ser prejudicada por cores claras na moldura de cena e o fosso de orquestra conserva o mesmo perfil avançado, situação que dificulta a criação de uma maior intimidade entre artistas e públicos, com prejuízo óbvio para o cumprimento da sua principal vocação: acolher bem o melhor das artes de palco! Um auditório, independentemente, das suas dimensões, deve parecer íntimo, aconchegante, aproximar os públicos do palco, de maneira a que estes quase oiçam o respirar do ator/músico/bailarino e não percam toda a expressão da sua arte. E a verdade é que se confundiu acústica com isolamento de som, não tendo existido preocupação bastante com volumetria, difusão, áreas reflexivas e absorventes, da mesma forma que não houve preocupação em diminuir as cores refletoras de luz e a distância que separa a primeira fila da linha de boca de cena, mantendo a enorme “avenida” que afasta públicos e artistas.

3. ESTAS CONDICIONANTES não podem, no entanto, justificar a inexistência de uma programação inteligente ou servir de pretexto para prosseguir formas de gestão mais preocupadas com a preservação de si próprias do que em servir os públicos. Exigem, isso sim, novas e imaginativas formas de organização interna e de produção que visem a prática de um plano de atividades que dê resposta ao cumprimento da sua missão. E essa sua missão deve assentar num paradigma por onde as contradições circulem, onde o espírito se manifeste e se estabeleçam relações com um público que não se contente em assistir aos espetáculos, mas que os discuta. A liberdade de criação tem de ser, claro, a tónica principal da programação, que não pode deixar de ter em vista esta sua missão: estimular e divulgar a criação artística em todas as suas expressões, apoiar novos artistas e novas criações, atingir um público amplo e diversificado, contribuir para a formação de públicos e de artistas, concorrer para o desenvolvimento cultural do município e da região; e fomentar o intercâmbio cultural a nível nacional e internacional. Estes objetivos, esta missão, terá de ser levada a cabo não por patamares, dando baixa a este ou aquele objetivo, mas pela criação de programas e projetos que os coloquem a todos, e simultaneamente, em inter-relação. Daí a necessidade da utilização do plural quando nos referimos quer aos públicos, quer às linguagens artísticas. Só a utilização do plural permite, por um lado, levar em linha de conta todas as formas de expressão, trazendo para a ribalta formas muitas vezes consideradas menores (como, por exemplo, o novo circo, o teatro de objetos ou os projetos híbridos inclassificáveis num determinado género) e, por outro lado, levar em linha de conta a transversalidade e a mestiçagem, cuja principal virtude democratizante é a de corresponder à prática de culturas múltiplas e com ancoragens sociais diversificadas. Mesmo com um auditório apenas mais bonito exige-se muito melhor! Gaia merece e seus públicos também!

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