Domingo, 3 Dezembro 2023

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Bushido Dojo onde o karaté se pratica por igual

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O Bushido Dojo Clube de Karaté de Campanhã tem como princípios a igualdade, os direitos e dar oportunidade a quem não as tem. O clube foi fundado por Joaquim Quadrado e Tiago Baía e conta com vários dojos, sendo um em Vila Nova de Gaia.

O Bushido Dojo Clube de Karaté de Campanhã trabalha com atletas de várias faixas etárias e de diferentes condições sociais. O clube conta com cerca de 130 atletas, dos quais nove são portadores de deficiências, como o espetro do autismo e a trissomia 21.


O clube pertence ao Centro Português de Karaté (CPK), que é a maior associação de Karaté de Portugal e estão ligados diretamente à Federação Nacional de Karaté.


Quando os atletas não são aptos para ir a competição o clube cria outras alternativas, formando os atletas como árbitros.


Os treinos são inclusivos e os atletas treinam todos juntos, sem diferença de idade, género ou escalão. Atualmente o clube é repartido por vários centros de prática, entre eles em Campanhã, no Bonfim e em Canelas. Aqui “os alunos podem treinar de segunda a sábado”. Quem o diz é Joaquim Quadrado, fundador e treinador do clube.  Todos os dojos têm a mesma política e os mesmos preços, para dar oportunidade a quem nunca fez nada de praticar algum desporto.

A vida de Joaquim Quadrado no karaté começou na Associação Recreativa de Canelas. Depois de evoluir na arte marcial, o então catequista e orientador do grupo de jovens, decidiu fazer numa coletividade de Campanhã um treino de karaté com os seus alunos, “resultado fizemos um treino, dois e aquilo começou a ter piada”. Por insistência do seu mestre e do presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, Joaquim decidiu então criar o clube, com um dos seus alunos mais antigos, Tiago Baía.

“Uma arte marcial não é um desporto é um tipo de vida, uma forma de vida”

Depois dos dois fundadores tirarem o curso de treinadores, muitos atletas começaram a juntar-se ao clube. Com vista a praticar uma política de oportunidades para todos, o clube é também “o mais barato em Portugal”.

Os dois treinadores começaram a constituir o clube com mais seriedade e decidiram investir em estruturas que o clube não possuía, como a vertente da competição, “começamos a pôr atletas a participar e a perder e perceber porque perdemos” conta. Atualmente, entre torneios e campeonatos nacionais e internacionais, o clube já arrecadou perto de 500 medalhas.

Com o crescimento do clube, ainda antes da pandemia, Joaquim abriu um dojo no Bonfim. Maior parte dos atletas são da mesma escola e, duas vezes por semana, o treinador e atleta Rafael Quadrado “vai buscá-los à escola e vai levá-los ao dojo e os pais depois vão lá buscá-los”.

Joaquim Quadrado é também um dos fundadores da nova Federação Nacional de Karaté Tradicional, que não existia em Portugal. Nesta Federação os atletas pagam menos de um terço do que numa outra federação, e o montante é utilizado para a realização de eventos.

Durante a pandemia o clube optou por realizar treinos online para manter sempre os atletas “em grupo, mantê-los conectados”. Durante esse período, o clube não cobrou nenhuma mensalidade e Joaquim ficava horas “fechado no dojo a dar aulas para manter o contacto”. Foi nessa mesma altura que o clube conseguiu um Campeonato Nacional, pela atleta Lara Jesus.

“O cinto negro é o cinto branco que nunca desistiu”

A preparação para as competições é feita de maneira diferente. Os treinos dos atletas que vão à competição são mais exigentes. Quando uma competição está próxima, o treinador dá um treino extra, ao sábado à tarde, no dojo de Canelas “usamos estas instalações aqui como quartel general porque temos mais condições, eles vão correr para ali e passam uma tarde inteira, às vezes, a treinar” afirma.

O sentido e objetivo de união que Joaquim quer perpetuar no clube também se expande para as competições. Quando um atleta faz uma prova fora “às vezes metemos 60 pessoas em duas camionetas e, às vezes, vai tudo para apoiar um ou dois”.

“Um abraço de um autista é melhor que ganhar o totoloto”

Em Portugal, os apoios dados aos treinadores que trabalham com atletas adaptados não é muito, especialmente nas artes marciais. Joaquim Quadrado admite que, por vezes, os treinos são desafiantes e que tem sempre “um medo horrível que eles se magoem”.

O mote para começar a desenvolver o seu trabalho na área das deficiências cognitivas aconteceu há cerca de quatro anos, com o Francisco. O atleta foi rejeitado por outra escola e “isso marcou-me, não achei justo”, relembra.

As artes marciais ainda não têm as regras bem definidas para os atletas, “não podemos julgar um atleta com autismo da mesma forma que julgamos um atleta com trissomia 21”. O Francisco ia representar Portugal no campeonato do mundo de Karaté na Eslovénia, que acontece ainda este mês, mas o evento internacional optou por fazer apenas uma demonstração do campeonato. Joaquim “não tinha coragem de chegar à Junta de Freguesia ou à Câmara do Porto e pedir apoio para uma demonstração, então optamos pelo Francisco participar nos campeonatos nacionais, como participou das últimas vezes.”.

Os atletas com autismo são aqueles que requerem mais atenção por parte do treinador, que conta que os principais desafios se prendem, inicialmente, por “entrar no mundo deles e ganhar a confiança deles”. O passo seguinte é o foco, “porque eles conseguem pensar em muita coisa ao mesmo tempo”.

Joaquim, entre sorrisos, relembra a forma como os atletas retribuem o seu trabalho “um abraço de um autista quando a gente consegue alguma coisa com eles, é melhor que ganhar o totoloto.”

Neste momento, o treinador tem trabalhado com um autista de grau elevado, o David, a quem dá treinos individuais duas vezes por semana, nas instalações de Canelas. O transtorno que o acompanha fá-lo não conseguir suportar ninguém e, por vezes, “ele fica um bocadinho agressivo”. O treinador tem documentado todo o seu trabalho e evolução e, embora saiba que o atleta nunca poderá competir, não quer baixar os braços e já avançou com uma proposta na associação para que os seus exames sejam realizados online, onde “os examinadores estão do outro lado, sem estar com ele, ter uma câmara ligada e pedir para ele fazer as coisas e é avaliado por isso”. Sendo este o atleta que mais o desafia, o sensei confessa que “o cinto negro nele, para mim, será um dia poder fazer um treino com os outros, que é esse  meu grande objetivo”

“Quero continuar a ideologia da minha escola para próximas gerações, mesmo quando cá não estiver”

Atualmente, alguns dos atletas do clube pertencem ao centro de solidariedade Cristã Maranatha, Tenda do Encontro. “Isto é um honra muito grande para nós. Para mim foi um desafio porque não sabia como me ia encaixar ali no meio” confessa o treinador. Joaquim desafiou os jovens a “ganharem o direito de vestir o kimono” e no passado sábado, 5 de novembro, todos os sete jovens passaram com distinção nos exames intermédios.

O Bushido Dojo marcou ainda presença no Iberanime, na Exponor, onde fez uma demonstração que contou com centenas de espectadores.

Neste momento, o clube enfrenta algumas dificuldades, especialmente com a falta de apoios. A ajuda monetária fornecida pela Junta de Freguesia de Campanhã é “uma sorte, mas são recursos muito modestos, há muitas associações e eles não nos podem dar só a nós”. Este ano o clube concorreu ao Orçamento Colaborativo da Câmara Municipal do Porto, onde lhe foram entregues 7 mil euros. Com esse dinheiro o presidente investiu em material, “ a primeira coisa que fiz foi comprar dois tatamis” com vista a organizar competições e angariar mais dinheiro para conseguir manter o clube. Joaquim investiu também em meios audiovisuais e em material de treino.

Para o futuro o treinador quer continuar “a ideologia da minha escola para próximas gerações, mesmo quando cá não estiver” mantendo sempre os príncipios iniciais.

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