O Benfica voltou a empatar frente ao Paris Saint Germain e, mais do que os resultados em si, convém salientar a propulsão emocional daí resultante. O Benfica não foi esmagado nem tão pouco derrotado. É claro que podemos argumentar que em equipa de galáticos muitas das vezes a componente coletiva sai enfraquecida. Entra-se na questão da gestão de egos ou na própria dinâmica de existência de vários pretendentes ao trono da equipa, sendo que a cadeira é apenas uma. E os pretendentes são múltiplos.
Seja como for, o mérito da equipa do Benfica é indiscutível. Impõe-se a questão: será que com Neres disponível a estratégia da equipa teria sido a mesma? Será que Neres teria titular? Creio que não. A disposição de Aursnes (excelente jogo) a tapar e a condicionar as investidas pelo corredor direito dos parisienses parecia preparada desde há muito. Do lado contrário, saliência também para o trabalho de João Mário, quer ao nível da proteção defensiva quer também pelas constantes diagonais que levaram a equipa a acrescentar sempre algum ponto extra do ponto de vista ofensivo.
E a reflexão é pertinente: tal como aconteceu no euro 2016, por muito que João Mário perca um pouco de exuberância em termos ofensivos, certo é que as suas movimentações da linha para o miolo atribuem às equipas a componente de equilíbrio que muitas das vezes é essencial – seja pela contenção da bola e possibilidade indireta de criação de linhas de passe seja também pelos timings em que tal processo é feito. E o Benfica, ressalve-se, começou o jogo em pressão muito alta e foram vários os momentos em que apresentou a mesma receita. É claro que a pressão alta é também sinónimo de defesa assertiva, porque se o adversário pressiona bem tal nos impede de construir em conformidade. Porque o guarda-redes pode ser o primeiro atacante (veja-se o que acontece com Diogo Costa no FC Porto) e o avançado pode ser o primeiro dos defesas.
Na maturidade do miolo residiu uma das chaves da prestação encarnada. Com Florentino a garantir dificuldades nas linhas de passe contrárias e Enzo a proporcionar lucidez nos processos de ligação entre os setores, o Benfica nunca foi uma equipa desequilibrada. Mas os problemas foram surgindo – naturalmente pela valia individual do adversário – mas também por algum espaço criado no lado direito da defesa (incluem-se também momentos de ligação entre o lateral e o central). Na realidade, para além do lance do golo (primeiro erro grave de António Silva, ver-se-á como vai reagir), impunha-se a troca de lateral direito. Apesar da velocidade e da definição de Bah serem importantes para a saída das zonas de pressão, certo é que os arranques de Mbappé estavam a causar imensas dificuldades aos encarnados. Por isso, a troca de Bah por Gilberto foi essencial. Não que Mbappé não tivesse continuado a causar dificuldades mas, sobretudo, porque enfrentou um contexto diferente, que se revelou mais coeso e acertado no estancamento de uma pequena hemorragia que podia ter deitado tudo a perder.
Num contexto muito complicado, é sensato que o ataca se faça de forma fria e ponderada. E com algum desgaste à mistura. É muito útil ter-se na equipa um elemento como Gonçalo Ramos que, para além de ser versátil como avançado, consegue ter rotinas de médio e assim ter um papel preponderante na ligação entre os setores. No entanto, a prioridade no contra-ataque encarnado residia na exploração da velocidade de Rafa: sobretudo do centro para a linha, provocando arrastamento e confusão na linha defensiva contrária. Na segunda parte, mais vagabundo, a sua constante busca de espaço livre permitia que o bloco baixo ganhasse o oxigénio necessário para não se cair em zona de aflição.
E a chave do êxito residiu nessa mesma premissa: preocupado mas nunca aflito. Sempre alerta. O Benfica percebeu o poderio do adversário sem nunca ser subserviente. Bem encaminhada na Liga dos Campeões num grupo particularmente complicado, os encarnados mostram maturidade dentro de um contexto de início de época em que não tiveram rede de proteção. À escala nacional o cenário é diferente: enfrentando equipas mais recuadas e tapando o espaço entrelinhas, os encarnados vão somando algumas dificuldades quando têm de exercer o seu domínio, quando têm de implementar a lei do mais forte. Mas candeia que vai à frente alumia duas vezes. Em Portugal ou na Europa.