A psicologia é um assunto recorrente, apesar de ainda tabu, normalmente quando estão em causa acidentes muito graves e que afetam um número significativo de pessoas. O número de profissionais no Sistema Nacional de Saúde (SNS) está aquém do suficiente. Falamos com diferentes profissionais que nos deram a sua visão de como vai a saúde mental em Portugal.
Eduardo Carqueja, presidente da Ordem dos Psicólogos, começou por sublinhar, ao jornal Gaia Semanário, o impacto da pandemia na saúde psicológica dos portugueses. Mas na verdade, os problemas de saúde psicológica perfaziam já cerca de 22,5% do total de doenças registadas.
“Na Europa, apenas a Irlanda do Norte ultrapassa Portugal na prevalência de problemas de saúde psicológica”, explica o Presidente, afirmando ainda que “mais de 1/5 dos portugueses vive com problemas de ansiedade e de depressão”.
As mulheres, as crianças e os jovens, a população desempregada ou em situações de trabalho precário, as minorias e outras pessoas em situação de vulnerabilidade são grupos particularmente afetados por este problema. Agora, com a crise económica, ainda deverão acentuar-se mais estas situações.
Dos 23.792 membros ativos na Ordem dos Psicólogos, apenas cerca de 1000 trabalham no SNS e só 300 estão nos centros de saúde. “A presença de psicólogos nos hospitais do SNS ainda é muito residual, logo insuficiente, para as necessidades das populações.”
Afigura-se essencial “investir em cuidados de saúde psicológica e numa estratégia global de promoção da saúde, que aposte em medidas preventivas e capacite os cidadãos para enfrentar acontecimentos críticos e crises futuras, adaptando-se de forma resiliente a circunstâncias adversas”.
Importa realçar que a atividade destes psicólogos não é unicamente dirigida aos cuidados de saúde mental (pessoas com o diagnóstico de doença mental), mas também, e com grande impacto, na abordagem e intervenção em doentes com doença crónica, como por exemplo, na área da oncologia, paliativos, pneumologia, cardiologia, dor, etc., assim como áreas mais específicas como a neonatologia ou a pediatria.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses tem, neste momento, 23.792 membros ativos (22.189 membros efetivos e 1603 a realizar o Ano Profissional Júnior). Apenas cerca de 1000 psicólogos trabalham no SNS e só 300 destes estão nos centros de saúde.
Resposta em caso de urgência
Andrea Rodrigues, psicóloga clínica do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) da Zona Norte, relatou-nos o funcionamento do apoio psicológico em contexto de urgência.
Começa por explicar que “é um trabalho que exige resistência física e psicológica”, uma vez que, em casos como as tentativas de suicídio, que chegam a ter 10 horas de negociações, “nunca sabemos quando regressamos a casa”.
As situações de tentativas de suicídio, em que se colocam em risco a si e aos outros, “é onde há maior necessidade e onde nós temos maior intervenção direta. Depois temos a intervenção com os próprios familiares e pessoas mais próximas das vítimas”.
Há situações como as de morte inesperada, “em que as pessoas estão mais desorganizadas e as reações estão mais desajustadas, em que a nossa Unidade Móvel de Intervenção Psicológica de Emergência (UMIPE) pode ser acionada”.
A presença de psicólogos nos serviços de urgência, na zona Norte, apenas acontece de forma estruturada no Centro Hospitalar Universitário de São João. Existe ali uma estrutura do INEM que agrega os psicólogos e que está disponível 24 horas por dia, para responder a necessidades do foro psicológico.
Em situação de crise, a Proteção Civil aciona estas e outras estruturas de apoio psicológico, que podem inclusive estar alocadas nas autarquias.
Por vezes, quando o local é mais distante, chega a ser usado o helicóptero para conseguir apoiar os familiares com “reações mais intensas” com a máxima brevidade. “Sempre que chegamos ao local, fazemos uma primeira avaliação, e a contextualização, para identificarmos quem são as vítimas e os familiares e amigos que lá estão”. Há até situações mais extremas, “em que temos que fazer intervenções com os próprios profissionais que estiveram envolvidos naquela situação”.
Acompanhamento no pós-emergência
O INEM não tem capacidade para dar um apoio de continuidade, contando para isso “com as entidades parceiras dos Hospitais e do Sistema Nacional de Saúde”. Neste momento, o INEM tem parceria apenas com o Hospital de S. João, sendo que nos restantes “fazemo-lo por referenciação”.
“O Hospital de S. João tem colegas escalados diretamente na urgência, e quando temos uma situação podemos contactar diretamente aquele colega, que fica assim preparado para receber as famílias. Esta ação depende muito do trabalho efetuado no terreno. Há pessoas que ficam organizadas e já não precisam de acompanhamento, mas há outras pessoas que precisamos de referenciar e continuar a acompanhar”, explica Andrea Rodrigues.
Como abordar o futuro
Para Eduardo Carqueja, é importante “garantir o reforço no número de psicólogos nas escolas, procurando uma aproximação ao rácio internacionalmente recomendado de um psicólogo para cada 1000 pessoas. Trata-se de uma medida fulcral para, a curto prazo, garantir o bem-estar e a recuperação das aprendizagens, bem como, a longo prazo, assegurar a promoção de uma educação inclusiva e de qualidade para todos”.
Para o presidente da Ordem dos Psicólogos, deve ainda pensar-se em “converter a escola num local privilegiado de prevenção e promoção da saúde e construção da cidadania ativa”, assim como “promover locais de trabalho saudáveis e garantir a prevenção e a intervenção nos riscos psicossociais”.
Eduardo Carqueja termina pedindo que se passe a “promover a literacia em saúde psicológica ao longo de todo o ciclo e contextos de vida”.