António Costa apresentou a sua demissão ao Presidente da República, que a aceitou.
Convocado o Conselho de Estado, está tomada a decisão: dissolução da Assembleia da República e eleições a 10 de março de 2024. O ano em que comemoramos os 50 anos do 25 de abril.
Podemos agora refletir sobre isto?
Vejamos.
Lia há uns tempos no Jornal Público que “as redes sociais são fantásticas. As redes sociais são perigosas.” E acrescentava-se algumas coisas que não existiam em 2003: “Facebook, Twitter, iPhone, iPad, (…), Spotify, Dropbox, Instagram, Snapchat, WhatsApp…”
Estas coisas a quem chamam redes sociais estão presentes nas nossas vidas de uma forma assustadora e parecem substituir o que antes era a presença da comunicação social nas nossas vidas. Quando uma delas está em baixo é notícia, como antes se comentava a falta de luz ou de água.
Por outro lado, as formas tradicionais de comunicação social (Jornais, Televisões, rádios) parecem correr atrás dos rodapés básicos, das notícias sobre a vida pessoal dos intervenientes, da utilização de informações das redes sem qualquer mediação jornalística. O José Gomes Ferreira na SIC há dias mostrou ser um péssimo jornalista ao citar um post irónico como se fosse uma notícia verdadeira.
Neste quadro o desenvolvimento de tribos tornou-se um marco do nosso tempo. A sociedade está menos social, há muitas dificuldades em estabelecer pontes entre pessoas e instituições. A sociedade está mais tribal, no pior sentido da palavra. A invasão da privacidade, a propagação de mentiras, a manipulação das emoções, o isolamento dos algoritmos a utilização da Inteligência artificial como ferramenta para enganar.
Debater temas polémicos como a política, a religião ou o desporto poderia ser um desafio para qualquer sociedade, uma oportunidade de aprender, de ampliar a visão de mundo e de desenvolver o pensamento crítico e a tolerância.
Influenciadas pelas redes sociais as pessoas ligam-se com quem têm afinidades, com quem pensa e vive como elas. Os portistas clicam em coisas sobre os méritos do Taremi, os golos que marca, as vitórias que consegue. Os benfiquistas, sobre os mesmos factos, clicam em piscinas e mergulhos. Sem meio termo. O árbitro rouba sempre o nosso clube e é um corrupto que favorece o clube adversário. Contra Nós os adversários dão sempre tudo e contra os outros “abrem as pernas”. Nas redes postam muito mais a gozar e tratar mal os adversários, do que a valorizar os méritos dos seus, como se fosse possível o ódio vencer o amor.
De onde vem esta métrica simplista e imbecil?
Será porque as pessoas estão mais expostas a informação e a opiniões diferentes, e sentem necessidade de se afirmar e de se defender?
Será porque estão mais insatisfeitas e frustradas com a situação do mundo, e procuram culpados e soluções simples?
Ou mais sensíveis e emotivas, e reagem de forma impulsiva e irracional?
Como se explica o sucesso de um partido racista e fascista com um programa de nove páginas? Um grupo de gente sem pensamento que faz da praça pública um tasco, que enche as redes sociais de mentiras e de ideias racistas, sem qualquer solução para o país. Apontam à corrupção, mas dizem zero sobre os grandes grupos económicos. Dizem defender os professores, mas defendem o fim da escola pública. Querem ter os médicos e os enfermeiros do seu lado, dizem que não há médicos de família para todos, mas querem acabar com o SNS. Apontam o dedo com lugares comuns, mas não têm uma única ideia para resolver os problemas de quem trabalha
Mas, se isto é assim, como se justifica que consigam acolhimento junto das pessoas?
Diria que tudo se resume ao preto e ao branco, ao sim ou não, ao estás comigo ou estás contra mim. Não parece haver lugar para a moderação no espaço público. Ninguém quer saber do que pensa “o outro”.
Isto é válido para os adeptos de futebol, como é válido para os adeptos dos partidos, isto é, os militantes que vivem os partidos como se estes fossem uma equipa de futebol. Não importando, inclusive, se jogam bem ou se jogam mal. O que importa são as vitórias que podem conseguir, entenda-se, o poder que podem alcançar através do exercício de cargos políticos.
Seria natural criticar uma opção partidária errada, tal como seria adequado aplaudir uma solução positiva para resolver este ou aquele problema. Mas, em política isto é muito difícil de se fazer. Como também não é nada fácil fazer uma crítica a uma ação política ou a um elemento do “nosso” partido.
Mas, será que posso defender um governante que hoje decide a favor da empresa X e amanhã vai trabalhar para essa mesma empresa? Sendo ou não do meu partido, faz sentido defender alguém com este comportamento?
Há alguma dificuldade em reconhecer que há problemas graves no SNS, na Escola Pública e na Justiça, sem que isso signifique uma traição? Podemos ou não, enquanto militantes, dar nota do que sente o povo e do que é necessário fazer?
Claro que também é importante perceber que um governo nunca poderá resolver tudo, “dar tudo a todos”. Mas, sem clubismos, podemos salientar que talvez esteja na hora de deixar de dar sempre aos mesmos, cuidando, por exemplo, de quem vive do seu trabalho e vê sobrarem todos os meses dias no fim do ordenado.
Neste quadro político muito delicado, também pelas condicionantes externas, poderemos aceitar em silêncio que alguém se demita só porque duas ou três possíveis criminosos falaram de si ao telefone? Deve ou não um governante demitir-se quando o seu chefe de gabinete é detido?
Fará algum sentido que um autarca seja detido porque pediu a uma empresa para ajudar os clubes do seu concelho?
Não creio que a judicialização da política seja um caminho a percorrer, antes pelo contrário. Alguns defendem que os governantes sob investigação devem afastar-se temporariamente dos seus cargos, para não prejudicar o funcionamento das instituições e a transparência da justiça. Outros argumentam que os governantes têm o direito de se manter em funções, até que se prove a sua culpa ou inocência, em respeito pelo princípio da presunção de inocência.
A resposta estará algures no meio termo.
O mal e o bem, o certo e o errado, a falta e a simulação, a competência e a incompetência são pertença de todas as atividades humanas. Umas vezes uns, outras vezes outros. Mas, são características que nos envolvem a todos. Sem distinção.
É isto que estará em causa no dia 10 de março.
A perceção do nosso país como um conjunto de comunidades que trabalham de forma articulada, em oposição ao olhar tribal que os extremistas procuram colocar no espaço público.