Sexta-feira, 13 Setembro 2024

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A crise do alojamento estudantil para o novo ano letivo

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A poucos dias do início do novo ano letivo, milhares de estudantes universitários de todo o país têm sentido na pele o verdadeiro desafio de encontrar uma casa. A falta de alojamento estudantil e os elevados preços dentro do mercado imobiliário são dois dos grandes problemas que os alunos têm de enfrentar. Catarina Freitas, Samuel Leite e Bruno Lameira deram o seu testemunho ao Gaia Semanário, contando um pouco sobre a sua experiência nesta nova fase das suas vidas.

Foram mais de 50 mil os caloiros que conseguiram entrar para o ensino superior na primeira fase do concurso nacional. Na semana que antecede o início das aulas, de norte a sul do país, muitos estudantes têm um problema em comum — a corrida às matrículas, que muitas faculdades já facultam online, e o sprint ao aloja-mento estudantil. Segundo a Federação Académica do Porto (FAP), os estudantes que entraram este ano para o ensino superior terão de enfrentar o grande desafio de encontrar um lugar para viver. A presidente deste órgão académico, Ana Gabriela Cabilhas, revela a grande preocupação que nutre no que toca à falta de alojamento disponível para estes estudantes. Já o presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), João Machado, acrescenta que este problema já era preocupante e, neste mo-mento, se tornou ainda “mais alarmante”, dando destaque ao facto de já haver “uma inexistência muito grande de quartos e de preços muito inflacionados no mercado, especialmente quando estamos a falar de Lisboa. Acho que este ano tanto uma [coisa] como outra se acentuaram”. Diariamente são feitos diversos pedidos de auxílio às federações. A FAP confessa já não ter condições para responder a todos: “Os pedidos de ajuda com o alojamento multiplicam-se numa caixa de entrada que não consegue acudir todos os estudantes”, afirma Ana Gabriela Cabilhas. 

“Estão colocados, mas desalojados”, é o que comenta a presidente da FAP, para dizer que os quartos disponíveis para arrendamento estão a diminuir e os preços a aumentar. Com a retoma do turismo e o impacto da presente inflação, uma melhoria não consta nos planos, nomeadamente nas empreitadas das residências já calculadas no âmbito do PRR.

uma inexistência muito grande de quartos e de preços muito inflacionados no mercado, especialmente quando estamos a falar de Lisboa. Acho que este ano tanto uma [coisa] como outra se acentuaram

João Machado – presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL)

A Câmara Municipal do Porto, por exemplo, investiu 18,7 milhões de euros com o intuito de requalificar e a criar novas residências para estudantes, tendo a Universidade do Porto criado um plano para aumentar em 205 o número de camas disponíveis para os abrigar, até 2025. Apesar disso, este problema do aloja-mento começa a manifestar-se mais cedo que o previsto e, este ano letivo, pode começar de forma bastante atípica para os estudantes que ainda se encontram desalojados. A presidente da FAP considera ainda que “a habitação e a qualidade do ensino, em todas as suas esferas, devem estar asseguradas”, mas isso “pode ser posto em causa com o financiamento atribuído às instituições de ensino superior, que já era insuficiente antes do contexto de inflação atual”. Garante ainda que além de tentar defender os interesses dos estudantes tentará que nunca estejam sozinhos, “desde o primeiro até ao último dia”.

Os pedidos de ajuda com o alojamento multiplicam-se numa caixa de entrada que não consegue acudir todos os estudantes

Ana Gabriel Cabilhas – presidente da Federação Académica do Porto (FAP)

“Ficava frustrado logo no ato da procura.” 

De forma a compreender a dificuldade que estes jovens têm vivido nesta nova fase das suas vidas, três estudantes contam um pouco da sua experiência nesta jornada. Catarina Freitas mudou-se recentemente do Porto para Lisboa, com duas colegas, para ingressar num mestrado em Data Driven Marketing. Apesar de ter noção do quão inflacionado se encontrava o mercado imobiliário na capital, optou por se mu-dar para prosseguir com o seu sonho. 

De acordo com a estudante: “A procura por casa foi um inferno. Quando me mudei achava que ia demorar um mês no máximo. Foi stressante, porque eu queria arranjar algo que tivesse o mínimo de conforto, que fosse numa localização abrangida por transportes públicos e que ficasse relativamente perto da faculdade. Enquanto isso, estava preocupada com procurar trabalho também, o que tornou a missão ainda pior.”

Tínhamos que entregar contratos de trabalho, IRS, extratos bancários, cadernetas prediais, tudo aquilo que pudesse indicar algum poder económico. Escusado seja dizer que os nossos pais se tiveram que juntar como arrendatários e dar os documentos deles. Era necessário ganhar mais do que 4 mil euros por mês para podermos arrendar a casa, mas acabamos por conseguir

Catarina Freitas

As possibilidades eram poucas e as propostas que apareciam, nem sem-pre eram as mais vantajosas. Preços altíssimos por casas degradadas, em zonas onde não passavam transportes públicos, era o que ia aparecendo no motor de busca de Catarina. A aluna declara que, para encontrar algo que tivesse o mínimo de conforto e numa zona favorável, por menos de 650 euros por pessoa, era impossível.  “Estávamos constantemente a enviar propostas para casas, mas eram todas rejeitadas, ninguém queria estudantes. Depois havia o exemplo de encontrar-mos casas de nosso agrado, mas no mesmo dia serem arrendadas, com a desculpa de terem sido «arrendadas por refugiados ucranianos»”, reflete. Ao fim de três longos meses de procura, Catarina e as colegas acabaram por encontrar uma casa que estivesse de acordo com as suas necessidades, porém a ansiedade não terminou até a proposta ser aceite e, consequentemente, a avaliação financeira. “Tínhamos que entregar contratos de trabalho, IRS, extratos bancários, cadernetas prediais, tudo aquilo que pudesse indicar algum poder económico. Escusado seja dizer que os nossos pais se tiveram que juntar como arrendatários e dar os documentos deles. Era necessário ganhar mais do que 4 mil euros por mês para po-dermos arrendar a casa, mas acabamos por conseguir”, termina. Samuel Leite, proveniente do distrito de Aveiro, também se viu obrigado a mudar-se para outro local, para iniciar o curso de engenharia informática, na cidade do Porto. Mesmo sendo de um distrito relativamente perto da universidade para onde vai, era fundamental para ele poder viver num local com bons acessos, nomeadamente a transportes públicos. 

Tal como Catarina, junta-mente com dois colegas, entrou na busca de uma casa para poderem viver, durante os próximos meses. “Não tínhamos grandes requisitos, apenas o mínimo essencial como uma cozinha equipada, quartos com privacidade para os três, se possível, com mobília e acesso a água, luz e gás”, refere. Porém, tal como já esperava, não foi tarefa fácil encontrar algo que fosse razoável tanto a nível de comodidade, como a nível financeiro. “Desde que me juntei a colegas nesta procura, sendo que tínhamos o mesmo interesse, procurámos apartamentos ou moradias com espaço para os três tanto online como em visitas ao Porto. Achámos muito poucas escolhas e, por mês a cada um, caso as despesas não estives-sem incluídas.” 

Neste momento, Samuel e os seus colegas continuam nesta jornada de procura de alojamento, sem terem noção se irão encontrar algo que se encaixe nos seus requisitos. O caso de Bruno Lameira distingue-se dos dois anteriores. Este estudante pretendia mudar-se de Aveiro para Coimbra, mas, ao contrário de Catarina e Samuel, procurava um quarto numa residência para estudantes. Não lhe restavam muitas alternativas, uma vez que, a maior parte das residências que encontrava ou aceitavam apenas estudantes do género feminino, ou a estadia era obrigatória durante um certo período de tempo, como seis meses a um ano. 

Achámos muito poucas escolhas e, o maior problema passou por ser a renda, pois eram poucos os locais que pediam uma renda inferior a mil euros, que acabaria por ficar quase 400 euros por mês a cada um, caso as despesas não estivessem incluídas.

Samuel Leite

Bruno tinha apenas um único requisito obrigatório — a localização. “A localização é um fator importante para mim. Caso o quarto não fosse perto o suficiente da universidade, deveria ter proximidade a serviços de transportes públicos”, explica. O estudante nunca imaginou que a procura por um quarto fosse uma tarefa tão difícil e que exigisse tanta paciência: “O problema, pelo menos no meu caso, é que eu simplesmente não consegui imaginar a realidade do quão difícil a procura de alojamento seria, desde o enorme ritmo que se tem de ter ao procurar, de for-ma a conseguir assegurar um quarto minimamente aceitável.” 

Pelo meio da procura, a frustração por não encontrar algo que fosse aceitável, foi algo que afetou Bruno, de uma forma geral. “Ficava frustrado logo no ato da procura. Estar a ler em sites como o “Idealista” e pela descrição a residência parecer perfeita e, do nada, ler no final que só aceitavam uma menina”, exemplifica. Desabafa ainda: “Os contactos e ajuda de familiares nesta procura, também foi algo que aumentou muito o número de opções, e assim, aliviou algum do meu stress.” Acabou por, no final, encontrar uma residência do seu interesse. Porém, nos últimos tempos de longa procura, visitar sites de arrendamento de imóveis, grupos de Facebook e fazer visitas presenciais a residências, eram a sua maior prioridade. 

O problema, pelo menos no meu caso, é que eu simplesmente não consegui imaginar a realidade do quão difícil a procura de alojamento seria, desde o enorme ritmo que se tem de ter ao procurar, de forma a conseguir assegurar um quarto minimamente aceitável.

Bruno Lameira

Perto dos polos universitários, das grandes cidades como Porto, Lisboa e Coimbra, são poucos os anúncios para quartos, ou até mesmo casas, que facilitem o arrendamento a estudantes e que ainda estejam disponíveis. Quando, porventura, alguma oferta que aparente ser promissora aparece, ou a casa está completamente degradada, não correspondendo às necessidades dos estudantes, ou tem um preço exorbitante por pessoa. Alunos falam em exemplos como o de um quarto, perto do centro Porto, a 850 euros por mês, com estadia mínima de três meses. Este problema, torna-se cada vez mais grave e recorrente, deixando os estudantes deslocados a interrogar-se como é possível suportar os custos de estudar e arrendar um quarto, cujo preço excede o ordenado mínimo nacional e, por vezes, não reunindo as condições desejadas.

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