Naquela manhã de 5.ª feira do mês de Abril de 1974, muitos, como eu próprio, não puderam regressar a suas casas no interior do Concelho, porque os transportes públicos não podiam circular… Tinha havido – ouvia-se nas rádios – um golpe de estado.
Tal como eu também, ninguém conseguia verdadeiramente perceber o que era “aquilo”.
Como escreveu no seu diário o escritor Virgílio Ferreira “por fim lá fui compreendendo” Depois, bem depois, “dos esclarecimentos das notícias das rádios”
Ainda seguindo o mesmo diário, tendo eu, na altura, 13 anos recentemente festejados, tal como escreveu Virgílio Ferreira, “embrulhou-se-me o pensar. Sem saber o que dizer”, nem mesmo quando meu pai chegou, nesse dia mais cedo a casa, em Oliveira do Douro.
Também ele demonstrava sentir “uma emoção violenta. Como era possível? Quase cinquenta anos de fascismo, a vida inteira deformada pelo medo. A Polícia. A Censura. Vai acabar a guerra. Vai acabar a Pide que lhe matara dois conterrâneos e amigos – soube isso nesses dias… Tudo isto era, pois, fantástico. Todos estávamos contidamente contentes, em especial a minha mãe que teve duas alegrias: a guerra ia acabar antes dos filhos chegarem à idade de serem para ela mobilizados, como ela sempre profetizara, especialmente naquelas cerimónias fúnebres dos soldados caídos a que assistíamos em Mafamude. Alguns conhecidos da nossa família, como o Joaquim Costa e o Carlos Alberto.
Referencia aqui para aos militares de Abril e para os mortos em combate na guerra colonial.
Ainda na noite de 25 de Abril, a minha mãe (re) viu na televisão o seu conhecido “Chiquinho” (Francisco da Costa Gomes) que ela não via desde que tinha deixado a cidade de Chaves, para onde fora trabalhar, saída no dealbar da juventude do Arco de Baúlhe sua terra natal.
49 anos depois, as perguntas são diferentes e têm a ver com o terceiro D de Abril: desenvolver.
– Como desenvolver a Democracia, com a possibilidade da intervenção cívica, tendo como adquiridas liberdades de expressão e associação e autonomia dos territórios?
– Como desenvolver a economia a partir das especificidades do território, muito mais do que copiar outros países, cuja realidade pode servir para nos inspirar muito mais que copiar? Nomeadamente os mais desenvolvidos da Europa democrática em que nos integrámos em 1985?
Convicto daquele que é o importante o papel das Assembleias Municipais – órgão do Poder Local democrático saído da Democracia- em todo o processo de reorganização territorial e de desenvolvimento do País, prevaleço-me deste ensejo para partilhar algumas das mensagens que são também as preocupações dos autarcas que presidem e dos eleitos locais que integram as Assembleias Municipais de norte a sul do país, face ao facto de Portugal continuar a ser um dos estados mais centralistas da Europa.
Isso mesmo independentemente das tentativas de mudar essa chamada “worldview”, especialmente na última década, tal como aconteceu com o governo entre 2011 e 2015 com o programa “Aproximar Portugal” e tal como vem a acontecer desde 2016, com a Descentralização e a maior intencionalidade dada na legislação produzida desde 2018, pelo atual executivo, também com esse objetivo
É nossa convicção que o processo de reorganização e coesão territorial terá, obrigatoriamente, de passar por um caminho efetivo de transição para um modelo de governação multinível, o qual se carateriza por ser mais participativo e descentralizador. A meta da Reforma do Estado, seguindo esse caminho, deverá ter essa intencionalidade que às vezes parece faltar.
A governação multinível constitui um dos atuais maiores desafios da reorganização e coesão territorial, uma vez que terá um forte impacto na vida das populações e dos territórios a que, por isso mesmo, as Assembleias Municipais não poderão deixar de estar associadas, no quadro do processo de descentralização.
Deveremos aprofundar um caminho político que reforce o quadro do “princípio da subsidiariedade, verdadeira instituição europeia que nos levará dos pequenos passos ao futuro comum” e, assim, sermos capazes de definir os objetivos, escolher mais adequados instrumentos de política e dispor dos meios financeiros possíveis para a implementação desse processo.
Aliás o sucesso da descentralização passa pelo envolvimento dos municípios, não só na sua vertente executiva, como tem vindo a acontecer, mas também na sua vertente deliberativa, o que implica mais capacitação para as Assembleias Municipais. Temos insistentemente alertado o governo para tal, empenhados na afirmação das mesmas assembleias para o reforço do seu papel decisivo no quadro do reforço e aprofundamento da Democracia e do Poder Local, o aparecimento de novas redes de contacto, comunicação e debate entre os Eleitos Locais.
Daí decorre a atividade nacional que temos vindo a desenvolver e dinamizar, com encontros presenciais e à distância, bem como edições impressas através das parcerias institucionais, como foi, entre muitos outros, o caso do Guia sobre a Prevenção da Corrupção no âmbito das Autarquias Locais, bem como, nestes dias, também como forma de comemorar o 49º aniversário do dia 25 de Abril de 1974, o Curso de Literacia Política e Cidadania, em parceria com Porto Editora, pois como escreveu outro militar de Abril – Ramalho Eanes – “Abril ofereceu as liberdades, mas esqueceu-se de criar cidadãos”, precisamos cada vez mais de manter oportunidades ou instituições, como os concelhos municipais de juventude, ainda em falta em vários concelhos do país, onde se exerça a cidadania ativa. Mais do que para falar a “ANAM nasceu para fazer o que ainda não foi feito”, por isso este trabalho que será distribuído por, pelo menos, 3000 eleitos locais em todo o País e Regiões Autónomas.
Para um cabal e efectivo desenvolvimento e modernização do país um envolvimento e participação ativa dos municípios é basilar.
A governação multinível não pode ser dissociada da política regional, sendo este um dos maiores desafios da democracia atual, pois estando a suceder-se uma delegação de competências políticas do nível nacional para o nível municipal e regional e nunca se poderá dissociar daquela que é a importância inegável das assembleias municipais do processo de reorganização e coesão territorial, como já se verificou com a eleição dos dirigentes que vão levar à instituição das CCDR como autarquia de dimensão regional, na senda do que defendeu o Professor Jorge Miranda no seu artigo de julho do ano de 2022, Regionalizar para descentralizar, ao elucidar que “têm estado a funcionar as comissões de coordenação regionais do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. São áreas de mera desconcentração administrativa. Perguntando porque não transformá-las em “áreas de descentralização, com as alterações que forem julgadas convenientes?”
Cabendo ao governo a inequívoca liderança deste processo, até à já referida última década sempre procrastinado, deverão ser tidos em conta os seguintes princípios, para o processo possa ser coroado de êxito.
1 – Princípio da Confiança:
Numa comunidade precisa existir alguém, neste caso o governo, que lidera inequivocamente o processo e o seu movimento. Para além disso, cabe ao mesmo governo motivar, desafiar e capacitar. Além de transmitir duplamente poder e inspiração. E, mais importante ainda, coerência, entre aquilo que se anuncia, programa e faz.
2 – Princípio da Colaboração:
Toda a comunidade que trabalha as aprendizagens políticas e sociais e, com estas, pretende atingir elevados resultados coletivos precisa unir forças e potenciar talentos, como bem sabem os Presidentes de Câmara, no trabalho diário com as suas equipas. Nestas equipas incluo, obviamente, os Presidentes de Junta de Freguesia quer pelo saber permanente que resulta das relações de proximidade, quer especialmente pelo cuidar permanente das necessidades dos habitantes dos seus territórios.
3 – Princípio da Inovação, da Partilha e da Avaliação das Políticas públicas pela medição do impacto na melhoria da vida das comunidades.
Uma comunidade precisa de símbolos, expressões e elementos exclusivos. Quanto mais criativos forem, mais as pessoas sentem vontade de aderir. Os líderes políticos, com os trabalhadores autárquicos começam os movimentos da governação e, naturalmente, as comunidades seguem essas políticas de forma plural e estendem-nas a onde são precisas de forma cuidada. Como escreveu outro militar de Abril – Ramalho Eanes – “Abril ofereceu as liberdades, mas esqueceu-se de criar cidadãos”, precisamos cada vez mais de manter oportunidades ou instituições, como os concelhos municipais de juventude, ainda em falta em vários concelhos do país, onde se exerça a cidadania ativa.
Por isso, menos na pandemia e para “não suspender a Democracia” realizamos encontros presenciais e à distância, bem como edições impressas em parcerias institucionais bem selecionadas, como foi, entre muitos outros, o caso do Guia sobre a Prevenção da Corrupção no âmbito das Autarquias Locais e, também, nestes próximos dias, como forma de comemorar o 49º aniversário do dia 25 de Abril de 1974, o Curso de Literacia Política e Cidadania, em parceria com Porto Editora.
Em tempos de forte investimento projetado, com fundos públicos nacionais e europeus, será prudente afastar os indícios de ilicitudes, prevenindo-os pela capacitação dos atores envolvidos. Todos.
Para um cabal e efetivo desenvolvimento e a modernização do país um envolvimento e participação ativa de todos é basilar.
Como escreveu outro militar de Abril – António Ramalho Eanes – “Abril ofereceu as liberdades, mas esqueceu-se de criar cidadãos”, precisamos cada vez mais de manter oportunidades ou instituições, como os concelhos municipais de juventude, ainda em falta em vários concelhos do país, onde se exerça a cidadania activa.
Por isso, mesmo na pandemia e para “não suspender a Democracia” realizamos encontros presenciais e à distância, bem como edições impressas em parcerias institucionais bem selecionadas, como foi, entre muitos outros, o caso do Guia sobre a Prevenção da Corrupção no âmbito das Autarquias Locais e, também, nestes próximos dias, como forma de comemorar o 49º aniversário do dia 25 de Abril de 1974, o Curso de Literacia Política e Cidadania, em parceria com Porto Editora.
Como ensinava Olof Palm, para que “às melhores políticas propostas, corresponda a maioria da vontade das pessoas, para as mesmas politicas se cumpram”, importa manter as boas práticas que já temos de prestação de contas e outros debates que, podendo e devendo ocorrer nas Assembleias Municipais, não podem deixar de ocorrer em muitos outros fóruns, como junto dos grupos de ação local.
Pela nossa parte, em estreita parceria com outras organizações e através das mais variadas iniciativas, especialmente no pressuposto de um processo de descentralização e regionalização, com a governação multinível como caminho, caberá às Assembleia Municipais, através de um apropriado processo formativo, informativo e de capacitação, o papel de serem impulsionadoras de um pensamento estratégico glocal que permita uma discussão profícua entre eleitos e eleitores, em prol da participação dos cidadãos, do aprofundamento da democracia e do poder local”.
Vai ser preciso reformar sistemas, reduzir desigualdades, ter criatividade e ousadia, ou seja fazer mesmo para também mudar mentalidades.
Só assim estaremos à altura do desafio de cumprir o 3ºD de Abril, o de Desenvolver, sem deixar ninguém para trás.